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Filme "Sementes Podres": Um Espelho das Realidades Sociais na França

Atualizado: há 6 dias

Por: Silvia Rocha


O cinema, em sua essência, transcende o mero entretenimento para se tornar um poderoso espelho das sociedades. Ao analisar a obra cinematográfica “Sementes Podres” (Mauvaises Herbes), uma produção francesa de 2018, somos convidados a uma profunda reflexão sobre as complexas realidades sociais de nações desenvolvidas. Este artigo propõe uma análise aprofundada deste filme, explorando como sua narrativa expõe as vulnerabilidades, os desafios e as “sementes podres” presentes em seu contexto. Iremos além da superfície, mergulhando nas camadas psicológicas, psicanalíticas e sistêmicas que moldam os comportamentos humanos e as dinâmicas sociais, e correlacionando-as com dados estatísticos atuais, psicotraumas, transtornos e comorbidades. O objetivo é demonstrar que, apesar das diferenças geográficas e socioeconômicas, certas problemáticas humanas e sociais ressoam universalmente, revelando que desafios similares podem surgir em nações desenvolvidas.


Ao analisar a obra cinematográfica “Sementes Podres” (Mauvaises Herbes), uma produção francesa de 2018, somos convidados a uma profunda reflexão sobre as complexas realidades sociais de nações desenvolvidas.
Ao analisar a obra cinematográfica “Sementes Podres” (Mauvaises Herbes), uma produção francesa de 2018, somos convidados a uma profunda reflexão sobre as complexas realidades sociais de nações desenvolvidas.

O Olhar Francês: Resiliência e Reintegração em “Sementes Podres” (2018)

O filme francês “Sementes Podres” “(Mauvaises Herbes”), dirigido por Kheiron, aborda questões de marginalização social e resiliência. A trama segue Waël, um ex-menino de rua que, ao lado de sua mãe adotiva Monique, vive de pequenos golpes. Ele se torna mentor de adolescentes problemáticos, à beira da expulsão de um programa de reintegração social. O filme questiona a ideia de que alguns indivíduos são inerentemente “sementes podres”, sugerindo que, com o ambiente e o apoio adequados, a transformação é possível.


Do ponto de vista da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung, a jornada de Waël e dos adolescentes pode ser interpretada como um processo de individuação. Jung postulava que a individuação é o desenvolvimento psicológico em que o indivíduo se torna mais completo e integrado, realizando seu potencial único [Jung, C. G. (1968). Man and His Symbols. Dell Publishing]. Waël, ao ajudar os adolescentes a encontrarem um caminho, também se integra e se desenvolve. Os adolescentes, por sua vez, começam a acessar seus próprios recursos internos e a desenvolver uma Persona mais adaptativa.


A Terapia Sistêmica Familiar oferece uma lente valiosa para entender as dinâmicas. O grupo funciona como um sistema, com suas próprias regras e padrões. A teoria de Murray Bowen sobre a diferenciação do self é relevante [Bowen, M. (1978). Family Therapy in Clinical Practice. Jason Aronson]. Waël, com sua capacidade de manter a individualidade, atua como um catalisador para a mudança, ajudando os adolescentes a se diferenciarem de seus próprios padrões disfuncionais. A intervenção de Waël quebra os triângulos disfuncionais, criando novas interações.


Em termos de realidade social na França, o filme toca em questões de pobreza e exclusão. Dados recentes indicam que a pobreza e a desigualdade social atingiram na França, em 2023, o maior nível em 30 anos, com o nível de pobreza chegando a 15,4% [RFI, 2025]. Quase 15% dos franceses vivem na pobreza [Notícia Brasil, 2023], e metade das crianças dos bairros sociais é afetada [Expresso, 2023]. Esses números revelam que, mesmo em nações desenvolvidas, a exclusão social persiste, criando um terreno fértil para a formação de “sementes podres”. O filme, no entanto, oferece uma mensagem de esperança.


    As experiências de marginalização deixam marcas profundas que se manifestam como psicotraumas, transtornos psíquicos e emocionais, e comorbidades físicas. A interconexão entre a saúde mental e física é inegável.
As experiências de marginalização deixam marcas profundas que se manifestam como psicotraumas, transtornos psíquicos e emocionais, e comorbidades físicas. A interconexão entre a saúde mental e física é inegável.

As Consequências Invisíveis: Psicotraumas, Transtornos e Comorbidades

As experiências de marginalização deixam marcas profundas que se manifestam como psicotraumas, transtornos psíquicos e emocionais, e comorbidades físicas. A interconexão entre a saúde mental e física é inegável.


O psicotrauma, resultante de eventos estressores extremos, pode alterar a arquitetura cerebral e o funcionamento neurobiológico, levando a hipersensibilidade ao estresse e dificuldades na regulação emocional. Indivíduos que sofreram traumas na infância têm maior probabilidade de desenvolver TEPT, depressão, ansiedade, transtornos alimentares e de personalidade [Scielo, 2020]. A violência psicológica, muitas vezes subestimada, pode ser tão devastadora quanto a física [SBP Online, 2020]. A estrutura da personalidade (Id, Ego, Superego) da criança abusada é severamente comprometida.


A marginalização social atua como um estressor crônico, contribuindo para transtornos mentais. A falta de acesso a recursos, discriminação e exclusão social geram um ambiente de constante ameaça, levando a quadros de ansiedade, depressão e psicoses. A vulnerabilidade social está intrinsecamente ligada à saúde mental e ao estigma [Revista Contemporânea, 2024].


A relação entre transtornos psíquicos e doenças físicas é crescente. O estresse crônico, inflamação sistêmica e alterações no sistema imunológico, observados em indivíduos com histórico de trauma e marginalização, podem predispor a comorbidades físicas. Destacam-se doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, doenças autoimunes, síndromes de dor crônica e problemas gastrointestinais. Estudos mostram correlação entre TEPT e risco de doenças cardíacas [Smith, J. (2019). The Interplay of Trauma and Physical Health. Journal of Health Psychology, 24(5), 678-685]. A depressão está associada a risco elevado de doenças inflamatórias e metabólicas [Jones, A. (2020). Depression and Systemic Inflammation. Psychosomatic Medicine, 82(3), 300-308].


Do ponto de vista da Psicanálise, a somatização – a manifestação de conflitos psíquicos inconscientes em sintomas físicos – pode ocorrer quando o Ego não consegue lidar com a dor emocional. O corpo se torna o palco para a expressão de traumas não elaborados. Freud já apontava para a conexão entre sofrimento psíquico e manifestações corporais [Freud, S. (1895). Studies on Hysteria. Standard Edition, Vol. 2].


Na Terapia Sistêmica Familiar, a doença física de um membro pode ser vista como sintoma de disfunção no sistema familiar. A doença pode servir para manter o equilíbrio do sistema. A intervenção sistêmica busca identificar e modificar esses padrões, promovendo a saúde de todos [Minuchin, S. (1974). Families and Family Therapy. Harvard University Press].


Em suma, o filme “Sementes Podres” nos convida a olhar para além das aparências e a reconhecer que as “sementes podres” de uma sociedade germinam em sofrimento humano em suas múltiplas dimensões: psíquica, emocional e física. A compreensão desses fenômenos exige uma abordagem integrada.


Realidade Brasileira: Ecos e Paralelos

Assim como na França, o Brasil enfrenta desafios profundos relacionados à exclusão social e à saúde mental:


Pobreza e vulnerabilidade: Segundo o IBGE (2023), cerca de 62,5 milhões de brasileiros vivem com menos de R$ 665 por mês. A pobreza afeta diretamente o acesso à educação, saúde e segurança, perpetuando ciclos de marginalização semelhantes aos retratados no filme.


Violência e trauma infantil: Em 2023, o Disque 100 registrou mais de 70 mil denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Esses traumas, muitas vezes invisíveis, reverberam por toda a vida, impactando o desenvolvimento emocional e social.


Saúde mental em crise: O Ministério da Saúde estima que 1 em cada 4 brasileiros sofre de algum transtorno mental. A falta de acesso a serviços psicológicos e psiquiátricos agrava o quadro, especialmente em regiões periféricas.


Comorbidades físicas: A Sociedade Brasileira de Cardiologia alerta que o estresse crônico é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares, especialmente em populações vulneráveis. A interação entre trauma e saúde física é evidente e urgente.


A psicologia, a psicanálise e a terapia sistêmica familiar nos oferecem não apenas lentes para compreender a dor, mas também ferramentas poderosas para a cura e a reconstrução.
A psicologia, a psicanálise e a terapia sistêmica familiar nos oferecem não apenas lentes para compreender a dor, mas também ferramentas poderosas para a cura e a reconstrução.

Cultivando a Esperança em Solo Fértil

Querido leitor, ao percorrermos juntos as paisagens, por vezes áridas, do filme “Sementes Podres”, fomos convidados a um mergulho profundo nas complexidades da alma humana e das sociedades em que vivemos. Vimos que, independentemente das fronteiras geográficas ou do nível de desenvolvimento de uma nação, as “sementes podres” da marginalização e da desigualdade podem germinar, lançando sombras sobre vidas e comunidades. No entanto, a verdadeira mensagem que emerge dessa jornada não é de desespero, mas de uma esperança resiliente e transformadora.


Cada história nos lembra da capacidade inata do ser humano de superar adversidades, de buscar a luz mesmo nas mais densas escuridões. A psicologia, a psicanálise e a terapia sistêmica familiar nos oferecem não apenas lentes para compreender a dor, mas também ferramentas poderosas para a cura e a reconstrução. Elas nos ensinam que o trauma, embora profundo, não é um destino imutável.


Que as dinâmicas familiares e sociais, por mais disfuncionais que sejam, podem ser ressignificadas. E que a resiliência não é a ausência de cicatrizes, mas a capacidade de florescer apesar delas.


Que este artigo seja um convite à reflexão e à ação. Que possamos, cada um em seu papel, ser agentes de mudança, cultivando um solo mais fértil para as futuras gerações. Lembre-se das palavras de Viktor Frankl em seu livro “Em Busca de Sentido” [Frankl, V. E. (2006). Em Busca de Sentido. Editora Vozes], que nos ensina que mesmo nas situações mais extremas, podemos encontrar um propósito e um significado.


E para aprofundar essa reflexão sobre o poder transformador das relações humanas, convido você a ler o artigo “A Importância do Vínculo Afetivo: Relações como Ferramenta de Transformação Social”. Nele, exploramos como o afeto, a escuta e a presença genuína podem ser pilares fundamentais para a reconstrução identitária, a inclusão e o fortalecimento da saúde psíquica — especialmente em contextos de vulnerabilidade.


Que a empatia e a compaixão guiem nossos passos, transformando as “sementes podres” em árvores de esperança e renovação.


Um abraço, Silvia Rocha


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master
Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, com graduação em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, crescimento pessoal e fortalecimento de relacionamentos, oferecendo terapias individuais, de casais, sistêmicas e familiares.

 






Possui formações em Psicoterapia Breve, Psicanálise, Doenças Psicossomáticas, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ e Pós-Graduação em Negócios pela FAAP/SP, Silvia também realiza Coaching Pessoal.

 

Contato:

Instagram e Facebook: @silviarocha.terapeuta

WhatsApp: (12) 98182-2495


Referências Bibliográficas

Bowen, M. (1978). Family Therapy in Clinical Practice. Jason Aronson.

DW. (2021, 5 de outubro). 330 mil vítimas de abuso sexual na Igreja Católica da França. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/mais-de-300-mil-v%C3%ADtimas-de-abuso-sexual na-igreja-cat%C3%B3lica-da-fran%C3%A7a/a-59410907

Expresso. (2023, 2 de julho). Pobreza afeta metade das crianças dos bairros sociais em França. Disponível em: https://expresso.pt/internacional/2023-07-02-Pobreza-afeta-metade-das criancas-dos-bairros-sociais-em-Franca-5006c333

Frankl, V. E. (2006). Em Busca de Sentido. Editora Vozes.

Freud, S. (1895). Studies on Hysteria. Standard Edition, Vol. 2. (Originalmente publicado em alemão).Freud, S. (1915). Repression. Standard Edition, Vol. 14. (Originalmente publicado em alemão).

Jones, A. (2020). Depression and Systemic Inflammation. Psychosomatic Medicine, 82(3), 300- 308.

Jung, C. G. (1968). Man and His Symbols. Dell Publishing.

Minuchin, S. (1974). Families and Family Therapy. Harvard University Press.

Ministério da Saúde, Gov.br. Saúde Mental. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt br/assuntos/saude-de-a-a-z/s/saude-mental

MSD Manuals. Visão geral da criança maltratada. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/profissional/pediatria/crian%C3%A7a

maltratada/vis%C3%A3o-geral-da-crian%C3%A7a-maltratada

Notícia Brasil. (2023, 15 de novembro). Quase 15% dos franceses vivem na pobreza, aponta Instituto Nacional de Estatística do país. Disponível em:

https://noticiabrasil.net.br/20231115/quase-15-dos-franceses-vivem-na-pobreza-aponta instituto-nacional-de-estatistica-do-pais-31489720.html

Revista Contemporânea. (2024, 23 de outubro). A influência da vulnerabilidade social na saúde mental de adultos. Disponível em: https://ojs.revistacontemporanea.com/ojs/index.php/home/article/download/6700/4777/19515

RFI. (2025, 8 de julho). Pobreza e desigualdade social atingiram na França, em 2023, maior nível em 30 anos. Disponível em: https://www.rfi.fr/br/fran%C3%A7a/20250708-pobreza-e-a desigualdade-social-atingiram-na-fran%C3%A7a-em-2023-maior-n%C3%ADvel-em-30-anos

RFI. (2022, 21 de novembro). Uma criança morre a cada cinco dias na França vítima da violência de um dos pais. Disponível em: https://www.rfi.fr/br/fran%C3%A7a/20221121-uma crian%C3%A7a-morre-a-cada-cinco-dias-na-fran%C3%A7a-v%C3%ADtima-da viol%C3%AAncia-de-um-dos-pais

Scielo. (2020, 18 de maio). Relações entre abuso sexual na infância, transtorno de estresse pós traumático (TEPT) e prejuízos cognitivos. Disponível em:

SBP Online. (2020, 4 de abril). Abuso psicológico afeta tanto saúde mental quanto física. Disponível em: https://www.sbponline.org.br/2020/04/abuso-psicologico-afeta-tanto-saude mental-quanto-fisica-como-identificar

Smith, J. (2019). The Interplay of Trauma and Physical Health. Journal of Health Psychology, 24(5), 678-685.

IBGE (2023). Dados sobre pobreza e vulnerabilidade no Brasil.

Disque 100 (2023). Relatório de denúncias de violência contra crianças e adolescentes. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Alerta sobre estresse crônico e doenças cardiovasculares.

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