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Depressão em Mulheres: Reflexões sobre sofrimento psíquico, escrita terapêutica e o caso de Virginia Woolf

Por: Silvia Rocha


A depressão em mulheres é uma realidade complexa e multifacetada, frequentemente influenciada por fatores biológicos, psicológicos e sociais. Este artigo busca explorar o sofrimento psíquico feminino, a escrita como ferramenta terapêutica e a relevância de figuras históricas como Virginia Woolf, cuja vida e obra oferecem um estudo de caso profundo sobre a intersecção entre genialidade, vulnerabilidade e a busca por expressão. Este artigo abordará como a escrita pode se tornar um caminho para a cura e a resistência, especialmente para a mulher que enfrenta a depressão, à luz do modelo teórico desenvolvido por James W. Pennebaker. 


A depressão em mulheres é uma realidade complexa e multifacetada, frequentemente influenciada por fatores biológicos, psicológicos e sociais.
A depressão em mulheres é uma realidade complexa e multifacetada, frequentemente influenciada por fatores biológicos, psicológicos e sociais.

Dados Científicos sobre a Depressão Feminina e a Escrita Terapêutica

A depressão afeta mulheres em uma proporção significativamente maior do que homens, com estudos indicando que a prevalência ao longo da vida é quase o dobro para o sexo feminino [1]. Essa disparidade não é meramente biológica, mas profundamente enraizada em fatores socioculturais e de gênero. Flutuações hormonais ao longo do ciclo menstrual, gravidez, pós-parto e menopausa podem influenciar o humor e a vulnerabilidade à depressão. No entanto, as pressões sociais desempenham um papel crucial. Mulheres frequentemente enfrentam expectativas irrealistas de perfeição em múltiplos papéis – profissional, mãe, esposa, cuidadora – o que pode levar a um esgotamento físico e emocional. A desigualdade de gênero, a violência doméstica e a discriminação no ambiente de trabalho são estressores crônicos que contribuem significativamente para o sofrimento psíquico feminino. A dupla jornada de trabalho, onde muitas mulheres conciliam responsabilidades profissionais com a maior parte das tarefas domésticas e de cuidado familiar, é um fator de risco bem documentado para a depressão e a ansiedade.

 

O estigma associado à doença mental ainda é uma barreira substancial para muitas mulheres buscarem ajuda. O medo de serem julgadas, rotuladas como fracas ou incapazes, ou a internalização de que devem ser fortes e resilientes a todo custo, perpetua um ciclo de silêncio e sofrimento. A falta de reconhecimento e validação de suas experiências pode agravar o quadro depressivo, tornando a busca por tratamento ainda mais difícil.


Reconhecer os Sinais é um Gesto de Cuidado

A depressão pode se apresentar de maneiras sutis ou intensas, e perceber seus sinais é um passo importante para buscar apoio. A seguir, veja cinco manifestações comuns que merecem atenção e podem indicar a hora de procurar ajuda profissional:

 

1       Tristeza Persistente e Perda de Interesse (Anedonia): Sentimentos de tristeza profunda, vazio ou desesperança que duram a maior parte do dia, quase todos os dias, por um período prolongado (duas semanas ou mais). Acompanha-se frequentemente pela anedonia, que é a perda de prazer ou interesse em atividades que antes eram apreciadas, como hobbies, interações sociais ou até mesmo atividades cotidianas.

2       Alterações no Sono e Apetite: Distúrbios significativos no padrão de sono, que podem incluir insônia (dificuldade para iniciar ou manter o sono) ou hipersonia (dormir em excesso, mas ainda se sentir cansado). Da mesma forma, ocorrem mudanças notáveis no apetite ou peso, seja uma perda de apetite e emagrecimento, ou um aumento do apetite e ganho de peso.

3       Fadiga e Perda de Energia: Uma sensação constante de cansaço, mesmo após períodos de repouso adequado, e uma diminuição acentuada da energia para realizar tarefas diárias, que antes eram simples. Pequenas atividades podem parecer exaustivas, e a motivação para iniciar qualquer coisa é severamente comprometida.

4       Dificuldade de Concentração e Tomada de Decisões: Problemas para se concentrar em tarefas, ler, assistir televisão ou manter uma conversa. A capacidade de tomar decisões, mesmo as mais simples, pode ser prejudicada, levando a indecisão e procrastinação.

5       Sentimentos de Culpa, Desvalorização e Pensamentos Suicidas: Sentimentos excessivos e inadequados de culpa, inutilidade ou baixa autoestima. A pessoa pode se sentir um fardo para os outros e ter uma visão negativa de si mesma e do futuro. Em casos mais graves, podem surgir pensamentos recorrentes sobre morte, ideação suicida ou planos para tirar a própria vida. Nesses casos, a busca por ajuda imediata é imperativa. 


A escrita terapêutica, ou escrita expressiva, tem sido reconhecida como uma intervenção eficaz e acessível para a saúde mental.
A escrita terapêutica, ou escrita expressiva, tem sido reconhecida como uma intervenção eficaz e acessível para a saúde mental.

A Escrita que Acolhe: Traduzindo Dor em Palavras e Palavras em Cura  

A escrita terapêutica, ou escrita expressiva, tem sido reconhecida como uma intervenção eficaz e acessível para a saúde mental. Pioneiro nesse campo, o psicólogo James W. Pennebaker demonstrou em suas pesquisas, iniciadas na década de 1980, que escrever sobre experiências traumáticas ou emocionalmente perturbadoras por um período de 15 a 20 minutos, durante três a quatro dias consecutivos, pode levar a melhorias significativas na saúde física e mental [2]. O modelo de Pennebaker sugere que o ato de traduzir emoções e pensamentos complexos em palavras ajuda na organização cognitiva, na atribuição de significado aos eventos e na redução da ruminação. Ao externalizar o sofrimento, o indivíduo consegue processá-lo de forma mais estruturada, diminuindo a carga emocional e promovendo uma compreensão mais profunda de si mesmo e de suas experiências.

 

Para mulheres, a escrita pode ser um espaço seguro e privado para processar sentimentos, desafiar narrativas internalizadas de culpa e inadequação, e reafirmar sua voz em um mundo que muitas vezes tenta silenciá-las. É uma ferramenta de autocuidado que permite a exploração de emoções sem julgamento, a identificação de padrões de pensamento e comportamento, e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento. A escrita pode funcionar como um diário íntimo, um confidente silencioso que valida suas experiências e sentimentos, promovendo um senso de empoderamento e resistência contra as adversidades. 


Escrita Terapêutica na Prática: 5 Caminhos para Elaborar Emoções

A escrita terapêutica é mais do que um exercício criativo — é uma ferramenta de autoconhecimento, elaboração emocional e reconexão com a própria história. Aqui estão cinco formas de aplicá-la no cotidiano, seja em contextos clínicos, educativos ou pessoais:


1. Cartas que Nunca Serão Enviadas: Escrever para alguém (vivo ou não) sem a intenção de entregar. Ideal para elaborar mágoas, despedidas, perdões ou palavras não ditas. Ajuda a liberar emoções reprimidas e restaurar o fluxo interno.

2. Diário de Sentimentos: Registrar diariamente o que se sente, sem censura ou julgamento. Permite identificar padrões emocionais, gatilhos e necessidades não atendidas. Pode ser usado como recurso complementar em psicoterapia.

3. Narrativas de Vida: Recontar a própria história sob diferentes perspectivas: da criança que fomos, do adulto que somos, ou até como se fosse um personagem fictício. Essa técnica ajuda a ressignificar traumas e fortalecer a identidade.

4. Escrita Intuitiva: Escrever por fluxo livre, sem tema definido, deixando que as palavras revelem o que está oculto. É uma forma de acessar conteúdos inconscientes e promover insights espontâneos.

5. Cadernos Temáticos: Criar cadernos dedicados a temas específicos: luto, maternidade, relacionamentos, espiritualidade. Cada tema pode ser explorado com perguntas reflexivas, metáforas e exercícios de escrita guiada.


A depressão feminina envolve camadas profundas de dor e silêncio. A escrita torna-se uma ferramenta de resistência e elaboração do sofrimento. A vida e obra de Virginia Woolf revelam como a expressão pode ser um caminho para compreender e afirmar a subjetividade.
A depressão feminina envolve camadas profundas de dor e silêncio. A escrita torna-se uma ferramenta de resistência e elaboração do sofrimento. A vida e obra de Virginia Woolf revelam como a expressão pode ser um caminho para compreender e afirmar a subjetividade.

Estudo de Caso: Virginia Woolf e a Escrita como Expressão e Resistência

Virginia Woolf (1882-1941), uma das mais influentes escritoras modernistas, travou uma batalha ao longo da vida contra o que hoje seria diagnosticado como transtorno bipolar, com episódios severos de depressão e mania [3]. Sua genialidade literária, manifestada em obras como Mrs. Dalloway, Ao Farol e As Ondas, estava intrinsecamente ligada à sua sensibilidade e ao seu sofrimento psíquico. Seus diários e cartas revelam uma mente brilhante e atormentada, que encontrava na escrita uma forma de dar sentido ao caos interno e de explorar as profundezas da experiência humana.

 

Desde a infância, Woolf enfrentou traumas significativos, incluindo a morte de sua mãe, meia-irmã e irmão, além de abusos sexuais por parte de seus meio-irmãos. Esses eventos, somados a uma predisposição genética, contribuíram para o desenvolvimento de sua condição mental. Em uma época em que a compreensão da saúde mental era limitada e o tratamento muitas vezes desumano, Woolf utilizava a escrita não apenas como uma forma de arte, mas também como um meio de sobrevivência e autoconhecimento. Seus diários, em particular, são um testemunho pungente de sua luta, onde ela documentava suas oscilações de humor, suas observações agudas sobre a sociedade e suas reflexões sobre a condição feminina e a natureza da realidade.

 

A escrita era seu refúgio, um espaço onde ela podia ser autêntica e onde sua voz, muitas vezes silenciada em outros contextos sociais e familiares, podia ecoar com força. Ela explorava a corrente de consciência em seus romances, permitindo que os pensamentos e sentimentos de seus personagens fluíssem livremente, uma técnica que espelhava sua própria experiência interna. Embora a escrita terapêutica como a conhecemos hoje não fosse formalizada em sua época, a prática de Woolf de registrar seus pensamentos e sentimentos mais íntimos antecipou os princípios do modelo de Pennebaker. Ela transformou seu sofrimento em arte, deixando um legado que continua a inspirar e a ressoar com mulheres que enfrentam desafios semelhantes, mostrando que a expressão criativa pode ser uma poderosa ferramenta de elaboração emocional e resistência.

 

Virginia Woolf e o Legado de "As Horas"

O filme As Horas (2002), inspirado no romance homônimo de Michael Cunningham, entrelaça três narrativas femininas que giram em torno da obra Mrs. Dalloway, de Virginia Woolf, revelando como a literatura pode atravessar gerações e tocar vidas profundamente. A primeira personagem é a própria Virginia Woolf (interpretada por Nicole Kidman), retratada durante o processo de escrita de Mrs. Dalloway, enquanto enfrenta os tormentos de sua saúde mental. A segunda é Laura Brown (Julianne Moore), uma dona de casa dos anos 1950 que lê o romance e se vê sufocada pela rotina doméstica, lutando contra pensamentos suicidas e o desejo de escapar. A terceira é Clarissa Vaughan (Meryl Streep), uma editora moderna que vive em Nova York e organiza uma festa para seu amigo poeta, refletindo os dilemas da personagem Mrs. Dalloway em sua própria vida. Cada uma dessas mulheres, em tempos distintos, revela como a escrita e a leitura podem ser formas de resistência, expressão e conexão com o mais íntimo da existência.


Vozes que Curam: Um Encontro com Woolf e a Alma Feminina

Querido leitor, querida leitora,

Ao escrever estas palavras, sinto como se estivéssemos juntos em uma conversa íntima, onde o tempo se dissolve e o coração se abre. A trajetória de Virginia Woolf, vivida em outra era, ecoa com força no presente. Sua dor, sua busca por sentido, sua escrita como refúgio e resistência — tudo isso continua profundamente atual. Muitas mulheres ainda enfrentam o peso do silêncio, o julgamento do mundo, e a difícil tarefa de se reconhecer em meio ao caos interno.

Falar sobre saúde mental feminina é, para mim, um gesto de amor. É reconhecer que por trás de cada história há uma alma pulsante, que deseja ser ouvida, compreendida e acolhida. Woolf nos ensina que a vulnerabilidade não é fraqueza — é potência. Sua escrita revela que, mesmo nas sombras, há beleza, há verdade, há vida. E que escrever pode ser um ato de libertação, uma forma de cuidar de si e de transformar o sofrimento em expressão.

A escrita terapêutica é esse fio delicado que conecta passado e presente, permitindo que cada mulher encontre sua voz, sua coragem e seu espaço. Ao dar nome às nossas dores, abrimos caminho para a cura. Ao compartilhar nossas vivências, criamos pontes de empatia. E ao escutar com atenção e ternura, ajudamos a construir um mundo mais justo e amoroso.

Se você deseja mergulhar ainda mais nesse universo, recomendo o filme As Horas (2002), que entrelaça vidas femininas e nos convida a refletir sobre identidade, depressão e legado. E convido você também a ler o artigo complementar aqui no blog: Filme "As Horas": Um Mergulho nas Profundezas da Alma Feminina, onde aprofundo essa conexão com a obra de Woolf e a psique feminina.

Um abraço, Silvia Rocha


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master
Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master.

 


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, com graduação em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, crescimento pessoal e fortalecimento de relacionamentos, oferecendo terapias individuais, de casal, sistêmicas e familiares.






Possui cursos e formações em Psicoterapia Breve e Focal, Psicotrauma, Psicologia de Emergências e Desastres, Doenças Psicossomáticas, Psicanálise, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ e Pós-Graduação em Negócios pela FAAP/SP, Silvia também realiza Coaching Pessoal.


Contato:

Instagram e Facebook: @silviarocha.terapeuta


Referências Bibliográficas

[1] Nolen-Hoeksema, S. (2001). Gender differences in depression. Current Directions in Psychological Science, 10(5), 173-176. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1111/1467-8721.00142 

[2] Pennebaker, J. W. (1997). Writing about emotional experiences as a therapeutic process. Psychological Science, 8(3), 162-166. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1111/j.1467-9280.1997.tb00403.x 

[3] Lee, H. (1997). Virginia Woolf. Vintage. (Para mais detalhes sobre a biografia e saúde mental de Virginia Woolf, consulte fontes como: https://namiwc.org/2021/09/29/virginia-woolfs-battle-with-manic-depression-and-her-writing/)

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