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Filme "As Horas": Um Mergulho nas Profundezas da Alma Feminina

Por: Silvia Rocha


O filme "As Horas" (2002), dirigido por Stephen Daldry, é uma obra cinematográfica que mergulha nas complexidades da existência humana, especialmente no universo feminino. Inspirado no romance homônimo de Michael Cunningham, que por sua vez é uma homenagem a "Mrs. Dalloway" de Virginia Woolf, o filme entrelaça as vidas de três mulheres em diferentes épocas: Virginia Woolf (Nicole Kidman) em 1923, enquanto escreve seu célebre romance; Laura Brown (Julianne Moore) em 1951, uma dona de casa grávida em Los Angeles; e Clarissa Vaughan (Meryl Streep) em 2001, uma editora literária em Nova York. A motivação para analisar esta obra reside na sua capacidade ímpar de expor as nuances da saúde mental, os desafios existenciais e as interconexões invisíveis que moldam a experiência humana, oferecendo um rico campo para a reflexão psicológica.


Cartaz oficial do filme "As Horas" (2002), que retrata as três protagonistas e a interconexão de suas histórias.
Cartaz oficial do filme "As Horas" (2002), que retrata as três protagonistas e a interconexão de suas histórias.

Abordagens Psicológicas: Dinâmicas Internas, Conflitos Emocionais e Traumas

"As Horas" é um estudo profundo sobre a depressão, o suicídio e a busca por sentido em meio ao sofrimento. As três protagonistas, embora separadas por tempo e espaço, compartilham um fio condutor de melancolia e desespero, que as conecta à obra de Virginia Woolf. O filme ilustra vividamente como os transtornos mentais podem se manifestar de diversas formas e em diferentes graus de morbidade [1].


Virginia Woolf é retratada com traços de depressão psicótica, caracterizada por alucinações auditivas e uma profunda incapacidade de controlar a própria vida. Sua luta contra a doença mental é agravada pela falta de compreensão e pelos tratamentos inadequados da época, que a forçavam ao isolamento [2]. A reclusão e a constante vigilância a que era submetida apenas intensificavam seu sofrimento, levando-a a ameaças de suicídio e a um comportamento que era interpretado como incapacidade. A ambientação sombria de sua casa e sua aparência desleixada no filme simbolizam sua melancolia e seu distanciamento da vida, refletindo o peso do silenciamento feminino e de uma doença incompreendida [2].


Laura Brown, por sua vez, apresenta um estado depressivo que se assemelha à distimia, uma depressão crônica de menor intensidade, mas persistente. Sua insatisfação com a vida doméstica e o papel de esposa e mãe, apesar das expectativas sociais, a consome. O ato de assar um bolo, que deveria ser um símbolo de perfeição doméstica, torna-se uma metáfora para sua tentativa de controle sobre uma vida que ela sente escapar. Seu desejo de fuga e a contemplação do suicídio, embora não concretizado no momento retratado, revelam a profundidade de seu desespero e a busca por uma identidade que vai além das convenções sociais [1].


Clarissa Vaughan manifesta uma depressão dissimulada, muitas vezes mascarada por uma vida social agitada e uma aparente força. Sua dor está intrinsecamente ligada a Richard, um amigo poeta com AIDS, cuja depressão culmina em suicídio. A interconexão entre as personagens e a obra de Woolf ressalta a universalidade dos fenômenos psíquicos, que, embora vividos de forma particular, ecoam através das gerações [1]. A psicanálise, com autores como Sigmund Freud e Melanie Klein, nos ajudaria a compreender as dinâmicas inconscientes que levam a esses estados depressivos, como a introjeção de objetos maus e a culpa, enquanto a Psicologia Analítica de Carl Jung poderia explorar os arquétipos da Sombra e da Anima/Animus na busca por totalidade e individuação das personagens.



Laura Brown apresenta um estado depressivo que se assemelha à distimia, uma depressão crônica de menor intensidade, mas persistente. Sua insatisfação com a vida doméstica e o papel de esposa e mãe, apesar das expectativas sociais, a consome.
Laura Brown apresenta um estado depressivo que se assemelha à distimia, uma depressão crônica de menor intensidade, mas persistente. Sua insatisfação com a vida doméstica e o papel de esposa e mãe, apesar das expectativas sociais, a consome.

Abordagens Sociológicas/Contexto Histórico do Filme "As Horas"

O filme também oferece uma lente sociológica para entender as pressões e expectativas impostas às mulheres em diferentes épocas. Em 1923, Virginia Woolf enfrenta as restrições sociais e intelectuais de seu tempo, que limitavam a expressão feminina e desconsideravam a complexidade de sua saúde mental. Em 1951, Laura Brown vive o ideal da dona de casa perfeita no pós-guerra americano, um papel que, para muitas mulheres, representava uma prisão dourada. Já em 2001, Clarissa Vaughan, embora aparentemente mais livre, ainda lida com as expectativas de cuidar do outro e as consequências emocionais de relacionamentos complexos, refletindo a persistência de certas dinâmicas de gênero na sociedade contemporânea. A obra de Simone de Beauvoir em "O Segundo Sexo" seria uma referência fundamental para aprofundar a análise dessas questões de gênero e o impacto das estruturas sociais na subjetividade feminina.


Simbolismo e Arquétipos em “As Horas”: Uma Leitura Espiritualista

Do ponto de vista espiritualista e holístico, "As Horas" pode ser visto como uma representação de jornadas de alma e da busca por um propósito maior. O ato de escrever de Virginia, o desejo de Laura por algo mais e a dedicação de Clarissa a Richard podem ser interpretados como manifestações de uma busca por transcendência ou por um sentido que vá além da realidade material. Os arquétipos junguianos, como o da Grande Mãe (presente em Laura e seu conflito com a maternidade) e do Herói Ferido (Richard e sua luta contra a doença), ressoam profundamente. A água, elemento recorrente no filme (o rio onde Virginia se afoga, a banheira onde Laura quase se afoga), simboliza o inconsciente, as emoções profundas e a purificação, mas também o perigo e a dissolução do eu. A interconexão das três mulheres pode ser vista como um campo sistêmico, onde as dores e os anseios de uma reverberam nas outras, sugerindo uma unidade subjacente à experiência humana.


Fuga como mecanismo de defesa: Virginia Woolf utiliza a escrita como forma de evasão.
Fuga como mecanismo de defesa: Virginia Woolf utiliza a escrita como forma de evasão.

Indicadores de Padrões Emocionais Presentes no Filme

  1. Fuga como mecanismo de defesa:   A personagem Laura Brown planeja uma saída silenciosa da rotina familiar, enquanto Virginia Woolf utiliza a escrita como forma de evasão. Ambas expressam estratégias de enfrentamento diante de contextos opressivos.

  2. Pressões sociais e sofrimento psíquico:   A expectativa de desempenho nos papéis de esposa e mãe ideal impõe sobre Laura uma carga emocional que contribui para o desenvolvimento de sofrimento interno.

  3. Solidão em ambientes sociais:   Clarissa Vaughan, apesar de inserida em uma rede de relações, manifesta sinais de isolamento emocional e luto não resolvido.

  4. Expressões não verbais de estados depressivos:   Gestos, olhares e posturas corporais revelam estados psíquicos intensos, especialmente nas personagens Virginia e Laura, indicando sofrimento que transcende a linguagem verbal.

  5. Busca por sentido através da arte e dos vínculos afetivos:   A literatura (Mrs. Dalloway) e as relações interpessoais funcionam como elementos estruturantes diante das crises existenciais vivenciadas pelas personagens.

    Através das trajetórias de Virginia, Laura e Clarissa, somos convidados a enxergar o que tantas vezes passa despercebido: o sofrimento silencioso, a angústia disfarçada de rotina e os desafios da existência.
Através das trajetórias de Virginia, Laura e Clarissa, somos convidados a enxergar o que tantas vezes passa despercebido: o sofrimento silencioso, a angústia disfarçada de rotina e os desafios da existência.

As Horas e o Peso do Invisível: Reflexões Sobre Dor, Silêncio e Cuidado

Querido leitor, querida leitora,

As Horas é muito mais do que uma expressão literária — é um mergulho sensível nas camadas mais delicadas da experiência humana. Através das trajetórias de Virginia, Laura e Clarissa, somos convidados a enxergar o que tantas vezes passa despercebido: o sofrimento silencioso, a angústia disfarçada de rotina e os desafios da existência que se escondem atrás de sorrisos e compromissos cotidianos.

Não se trata de uma celebração da resistência, mas de um retrato honesto da vulnerabilidade. Com dois suicídios e outras duas personagens à beira do colapso, a narrativa revela que, para algumas pessoas, viver é um esforço exaustivo — e que reconhecer essa dor é um gesto de respeito e humanidade. O filme nos lembra que nem sempre há espaço para resiliência, e que isso também precisa ser acolhido com compaixão.

A melancolia que permeia cada cena não é um convite ao desespero, mas sim um chamado à escuta. Ela nos ensina que emoções difíceis não devem ser negadas ou reprimidas, e que o acolhimento — seja por meio de palavras, gestos ou silêncio — pode ser profundamente transformador. Cuidar da saúde mental é cuidar da vida em sua totalidade.

Por isso, é essencial aprender a reconhecer os sinais de sofrimento, tanto em nós quanto nos outros. A escuta empática, o apoio sem julgamentos e a busca por ajuda profissional são caminhos possíveis para atravessar os momentos mais sombrios. Procurar apoio não é sinal de fraqueza, mas de coragem. É um gesto de quem deseja continuar, mesmo quando tudo parece desmoronar.

Se você se identificou com as emoções das personagens ou com as reflexões aqui compartilhadas, saiba que não está sozinho(a). Há redes de apoio, há profissionais preparados — e há esperança. Para seguir nessa jornada de compreensão e cuidado, recomendo a leitura do artigo Depressão em Mulheres: Reflexões sobre sofrimento psíquico, escrita terapêutica e o caso de Virginia Woolf, disponível aqui no blog. Ele oferece caminhos sensíveis e práticos para quem busca equilíbrio emocional e fortalecimento interior.

Com carinho, Silvia Rocha


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, com graduação em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, crescimento pessoal e fortalecimento de relacionamentos, oferecendo terapias individuais, de casal, sistêmicas e familiares.





Possui cursos e formações em Psicoterapia Breve e Focal, Psicotrauma, Psicologia de Emergências e Desastres, Doenças Psicossomáticas, Psicanálise, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ e Pós-Graduação em Negócios pela FAAP/SP, Silvia também realiza Coaching Pessoal.


Contato:

Instagram e Facebook: @silviarocha.terapeuta


Referências Bibliográficas e Cinematográficas

[1] MORAES, M. H.; SILVA, E. M.; NETO, F.; SILVA, G. S.; RABELLO, J. K.; GUERRA, L. J. Depressão e suicídio no filme "As Horas". Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, v. 28, n. 1, p. 74-78, abr. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rprs/a/JKFvzkF5pwVyb3vKMjjfvrn/. Acesso em: 29 set. 2025.

[2] EUREKKA. Análise psicológica do filme As Horas: os segredos de Woolf. Blog Eurekka, 23 abr. 2023. Disponível em: https://blog.eurekka.me/analise-psicologica do-filme-as-horas/. Acesso em: 29 set. 2025.

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