Redes Sociais e a Construção da Persona Adolescente: Vínculos Afetivos e Impactos Emocionais na Era Digital
- Silvia Rocha

- 20 de set.
- 7 min de leitura
Por: Silvia Rocha
A adolescência, um período de intensas transformações e descobertas, é uma fase crucial para a formação da identidade. Nesse cenário de efervescência interna e externa, as redes sociais emergiram como um palco central onde os jovens exploram, experimentam e constroem suas personas. Este artigo propõe-se a investigar como a presença ubíqua das redes sociais influencia a construção da identidade e da persona adolescente, com um foco particular nos impactos emocionais e na formação dos vínculos afetivos. Adotando uma abordagem psicológica e socioeducativa, baseada na psicologia do desenvolvimento, psicologia social e educação emocional, pretende-se promover uma reflexão crítica sobre os desafios e os potenciais que as plataformas digitais oferecem à formação subjetiva dos jovens.

A Adolescência na Era Digital: Um Novo Palco para a Identidade
A adolescência é, por natureza, um período de busca e experimentação. Conforme Erikson (1976), a principal tarefa psicossocial dessa fase é a construção da identidade, um processo que envolve a integração de diferentes aspectos do self em um todo coerente. Tradicionalmente, essa construção se dava em interações face a face, no ambiente familiar, escolar e nos grupos de amigos. Com a ascensão das redes sociais, no entanto, um novo espaço de interação e autoapresentação foi adicionado a essa equação [1].
As redes sociais oferecem aos adolescentes um ambiente para se expressarem, compartilharem experiências e buscarem validação. A persona digital, ou seja, a imagem que o adolescente projeta online, torna-se uma extensão de sua identidade, muitas vezes cuidadosamente curada para se alinhar às expectativas sociais e aos ideais de pertencimento. Essa performance constante, embora possa fortalecer a autoestima quando há aprovação, também expõe os jovens a uma vulnerabilidade emocional significativa, especialmente diante da busca incessante por “likes” e comentários [2].
O Dilema da Validação e o Sentimento de Pertencimento
Para muitos adolescentes, as redes sociais são o principal meio de interação com seus pares. O sentimento de pertencimento a um grupo é fundamental nessa fase, e as plataformas digitais podem tanto facilitar quanto dificultar essa conexão. Por um lado, elas permitem que os jovens encontrem comunidades com interesses semelhantes, oferecendo um senso de aceitação e apoio. Por outro, a constante comparação com vidas aparentemente perfeitas e a pressão para manter uma imagem idealizada podem gerar ansiedade, baixa autoestima e sentimentos de inadequação [3].
A necessidade de ser visto e aceito pelo outro, tão inerente à adolescência, encontra nas redes sociais um espelho amplificado, onde a imagem refletida pode ser tanto um refúgio quanto uma prisão.
Vínculos Afetivos: Da Tela para a Vida Real
O conceito de vínculo afetivo é central para a saúde mental e o desenvolvimento emocional. Tradicionalmente construídos em interações presenciais, os vínculos afetivos são agora mediados, em grande parte, pelas redes sociais. Embora essas plataformas possam manter amigos e familiares conectados, a qualidade desses vínculos digitais é frequentemente questionada. A superficialidade das interações online, a ausência de comunicação não verbal e a facilidade de “desconectar” podem empobrecer a profundidade das relações [4].
Estudos indicam que, enquanto as redes sociais podem ampliar o círculo social dos adolescentes, a busca por aprovação e a performance constante podem levar a um aumento da angústia e do sofrimento. A postagem de fotos e textos, muitas vezes, é uma tentativa de escapar da angústia inerente à adolescência, mas pode, paradoxalmente, intensificar sentimentos de frustração e inadequação quando as publicações não geram o impacto desejado [1].

O Impacto na Saúde Mental do Adolescente
A saúde mental juvenil é um tema de crescente preocupação na era digital. O uso excessivo das redes sociais tem sido associado a um aumento nos níveis de ansiedade, depressão e isolamento social. A exposição constante a conteúdos idealizados, o cyberbullying e a FOMO (Fear Of Missing Out) contribuem para um ambiente digital que, embora aparentemente conectado, pode ser profundamente solitário e estressante [5].
Tabela 1: Impactos das Redes Sociais na Saúde Mental Adolescente
Escuta Ativa e Empatia: Fortalecendo Conexões Reais
Diante dos desafios impostos pelas redes sociais, a escuta ativa e a empatia emergem como ferramentas essenciais para pais, educadores e profissionais da saúde mental. É fundamental criar espaços seguros onde os adolescentes se sintam à vontade para expressar suas angústias e experiências, sem julgamento. A compreensão de que a vida online é apenas uma faceta da realidade do jovem permite uma abordagem mais acolhedora e eficaz.
Construção de Valores e Autoestima Fora do Digital
Para fortalecer a construção de valores e a autoestima dos adolescentes, é crucial incentivar atividades e interações que promovam o autoconhecimento e a valorização de suas qualidades intrínsecas, independentemente da validação online. Isso inclui:
• Incentivo a hobbies e interesses offline: Esportes, artes, leitura, voluntariado.
• Promoção de interações familiares e sociais significativas: Jantares em família, conversas abertas, passeios com amigos.
• Educação para o uso consciente das redes: Discussão sobre privacidade, cyberbullying e a importância de questionar o que é visto online.
• Desenvolvimento da resiliência: Capacidade de lidar com frustrações e críticas, tanto online quanto offline.

Sugestões Terapêuticas e Educativas
Para fortalecer os vínculos afetivos reais e promover o autoconhecimento fora do ambiente digital, sugerimos:
1. Terapia Familiar: Promover a comunicação aberta e a escuta ativa entre pais e filhos, abordando o uso das redes sociais de forma construtiva.
2. Oficinas de Educação Emocional: Desenvolver a inteligência emocional dos adolescentes, ensinando-os a identificar e gerenciar suas emoções, bem como a construir uma autoestima sólida.
3. Mentoria e Grupos de Apoio: Oferecer espaços onde os jovens possam compartilhar suas experiências e desafios, recebendo apoio de pares e adultos de confiança.
4. Atividades de Conexão com a Natureza: Incentivar a prática de atividades ao ar livre, que promovem o bem-estar físico e mental, e facilitam a desconexão do ambiente digital.
5. Diálogo Aberto sobre a Persona Digital: Conversar sobre a diferença entre a imagem projetada online e a realidade, ajudando os adolescentes a desenvolverem um senso crítico sobre o conteúdo que consomem e produzem.
Entre Likes e Laços: A Identidade Adolescente na Era Digital
A adolescência é uma travessia intensa, marcada por descobertas, inseguranças e a busca por pertencimento. Nesse cenário, as redes sociais ocupam um lugar central: são espaços onde os jovens experimentam versões de si, constroem vínculos e buscam reconhecimento. Mas também podem se tornar fontes de ansiedade, comparação e desconexão emocional.
Como mãe de um rapaz de 17 anos e de uma menina de 14, reconheço o quanto é desafiador mantê-los afastados do universo digital. Mais do que proibir, acredito na importância de compreender o papel simbólico das redes na vida dos adolescentes e de ajudá-los a desenvolver uma relação mais consciente e equilibrada com esse ambiente. Escutar com empatia, fortalecer os laços reais e valorizar a autenticidade são atitudes que contribuem para uma construção identitária mais sólida e saudável.
Eu recomendo a série Adolescência (2025), criada por Jack Thorne e Stephen Graham, disponível na Netflix. A trama acompanha a família Miller após a prisão de Jamie, um garoto de 13 anos acusado de assassinar uma colega de escola. Com profundidade e sensibilidade, a série aborda temas como saúde mental, vínculos familiares e os impactos emocionais de uma acusação devastadora — tudo isso atravessado pela complexidade da juventude.
Para quem deseja ampliar essa reflexão, recomendo também a leitura do artigo “Análise da Série "Adolescência": Um Olhar Profundo sobre a Psique Juvenil e a Sociedade Contemporânea”, que escrevi a partir das lentes da psicanálise, da psicologia analítica e da terapia sistêmica familiar. Nele, conecto os temas da série à realidade brasileira, propondo uma escuta afetiva e integrativa sobre os desafios enfrentados pelos nossos jovens.
Que possamos seguir cultivando espaços de escuta, presença e cuidado — porque acompanhar a adolescência é, acima de tudo, um exercício de amor e coragem.
Um abraço, Silvia Rocha

Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, graduada em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, desenvolvimento humano e autoconhecimento, em Ilhabela, São Sebastião e Caraguatatuba.
Possui formações em Psicoterapia Breve e Focal, Psicotrauma, Psicologia de Emergências e Desastres, Doenças Psicossomáticas, Psicanálise, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA pela FGV/RJ e Pós-Graduação pela FAAP/SP.
Contato:
Instagram e Facebook: @silviarochaterapeuta
WhatsApp: (12) 98182-2495
Referências Bibliográficas
[1] Damini, E. M. (2021). A construção da identidade adolescente e o uso de redes sociais. Dissertação (Mestrado em Psicologia da Saúde) - Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo. Disponível em: https://repositorio.metodista.br/items/83c57c65-7888-44a7-943d-4e6ff93bdd11
[2] Kallas, J. (2016). O mundo virtual como espaço de observação acerca do modo de vida contemporâneo. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.
[3] Assunção, A. C., & Matos, P. M. (2014). Adolescentes e o Facebook: Impactos no desenvolvimento. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 30(2), 195-204.
[4] Almeida, A. M., & Naffah Neto, A. (2019). Redes sociais e o sentimento de solidão na contemporaneidade. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 22(3), 423-437.
[5] Odgers, C. L. (2020). Adolescent Mental Health in the Digital Age: Facts, Fears, and Future Directions. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 61(2), 116-128.



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