Análise da Série "Adolescência": Um Olhar Profundo sobre a Psique Juvenil e a Sociedade Contemporânea
- Silvia Rocha

 - 25 de ago.
 - 8 min de leitura
 
Atualizado: 20 de set.
A série "Adolescência", criada por Jack Thorne e Stephen Graham e dirigida por Philip Barantini, mergulha nas complexidades da mente juvenil e nas intrincadas teias sociais que moldam o comportamento humano. Ao narrar a história de Jamie Miller, um adolescente de 13 anos acusado de assassinato, a produção da Netflix não apenas prende a atenção do espectador com um enredo dramático, mas também provoca uma reflexão profunda sobre temas cruciais como criminalidade juvenil, saúde mental, o impacto das redes sociais e as dinâmicas familiares. Este artigo propõe uma análise aprofundada da série, utilizando lentes da psicanálise, psicologia analítica e terapia sistêmica familiar, correlacionando os eventos ficcionais com a realidade brasileira e dados estatísticos, a fim de desvendar as camadas de sofrimento e os desafios enfrentados pelos jovens na sociedade atual. Nosso objetivo é oferecer uma compreensão mais ampla do fenômeno da adolescência em crise, explorando as raízes dos psicotraumas, transtornos psíquicos e suas manifestações, inclusive no corpo físico, e convidar o leitor a uma reflexão empática sobre o tema.

O Cenário da Criminalidade Juvenil: Uma Análise da Série e da Realidade Brasileira
A série "Adolescência" nos confronta com a dura realidade da criminalidade juvenil, um tema que ressoa profundamente com os desafios enfrentados pela sociedade contemporânea. A trama, centrada na acusação de assassinato de um jovem de 13 anos, espelha a complexidade de casos reais onde a linha entre vítima e agressor se torna tênue, e as motivações por trás de atos tão extremos são multifacetadas. No Brasil, a criminalidade juvenil é um fenômeno preocupante, com dados que revelam a vulnerabilidade de crianças e adolescentes. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, o roubo (45%) e o tráfico de drogas (24%) foram os principais crimes praticados por menores de idade [1]. Além disso, a violência contra crianças e adolescentes tem aumentado, com quase 41 mil vítimas de estupro entre 0 e 13 anos em 2022 [2]. Esses números, embora chocantes, são apenas a ponta do iceberg de um problema que envolve fatores sociais, econômicos e psicológicos.
A Adolescência como Período Crítico
A adolescência é uma fase de intensas transformações, marcada pela busca por identidade, autonomia e pertencimento. É um período de vulnerabilidade, onde a pressão social, a influência de grupos e a exposição a ambientes desfavoráveis podem desviar o curso do desenvolvimento saudável. A série "Adolescência" ilustra essa fragilidade ao apresentar um protagonista que, apesar da pouca idade, se vê envolvido em um crime grave, levantando questões sobre a responsabilidade individual e coletiva. A escola, muitas vezes, é o primeiro sinal de alerta, e o abandono escolar pode ser um indicativo de que o adolescente está em risco de entrar na criminalidade [3].

Saúde Mental e o Impacto das Redes Sociais na Adolescência
A saúde mental dos adolescentes é um tema central na série "Adolescência", que expõe as dores e os desafios emocionais enfrentados por essa faixa etária. A trama sugere que o comportamento do protagonista pode estar intrinsecamente ligado a questões de saúde mental, um reflexo da realidade global e brasileira. No Brasil, estima-se que quase um em cada seis adolescentes entre 10 e 19 anos sofra de algum transtorno mental [4]. Dados recentes indicam um crescimento preocupante na taxa de suicídios e autolesões entre jovens, com um aumento de 6% e 29%, respectivamente, entre 2011 e 2022 na faixa etária de 10 a 24 anos [5]. A ansiedade, em particular, tem se manifestado de forma alarmante, superando os registros em adultos pela primeira vez, com uma taxa de 125,8 a cada 100 mil adolescentes de 10 a 14 anos atendidos pelo transtorno [6].
A Influência Onipresente das Redes Sociais
As redes sociais, embora ferramentas de conexão, emergem na série como um catalisador de pressões e sofrimentos. A exposição constante a padrões inatingíveis, o cyberbullying e a busca incessante por validação online contribuem para um ambiente tóxico que afeta a saúde mental dos jovens. No Brasil, 83% das crianças e adolescentes que usam a internet possuem contas em redes sociais [7]. Um estudo da Universidade de Oxford, de 2024, revelou que adolescentes que passam mais de três horas por dia nas redes sociais têm 60% mais chances de desenvolver problemas de saúde mental [8]. A série "Adolescência" aborda a forma como o ambiente digital pode exacerbar sentimentos de isolamento, inadequação e raiva, culminando em comportamentos extremos. A metade dos adolescentes, inclusive, já percebe que as redes sociais fazem mal à sua saúde mental [9].

Perspectivas Psicanalíticas e da Psicologia Analítica: Desvendando as Camadas do Comportamento
A psicanálise e a psicologia analítica oferecem lentes valiosas para compreender as profundezas do comportamento humano, especialmente em casos complexos como o retratado em "Adolescência". A série, ao explorar as motivações e o histórico do protagonista, abre espaço para uma análise das dinâmicas inconscientes e dos traumas que podem moldar a psique juvenil.
A Visão Psicanalítica: Trauma e Repetição
Na psicanálise, o trauma não é apenas um evento isolado, mas uma experiência que irrompe na vida psíquica, deixando marcas profundas e podendo levar à repetição compulsiva de padrões destrutivos. Freud, embora não tenha se aprofundado especificamente na adolescência como um período distinto, abordou as transformações da puberdade e a reorganização da libido, que podem ser desafiadoras e, na presença de traumas prévios, desencadear comportamentos desviantes [10]. A série "Adolescência" pode ser interpretada como um palco para a manifestação de traumas infantis não elaborados, que ressurgem na adolescência sob a forma de agressividade, isolamento ou outros sintomas. Um estudo com jovens brasileiros revelou que traumas de infância estão associados a mais de 30% dos transtornos psiquiátricos em adolescentes, indicando a urgência de intervenções precoces [11].
A Psicologia Analítica: Arquétipos, Sombra e o Processo de Individuação
Carl Gustav Jung, com sua psicologia analítica, oferece uma perspectiva complementar. A adolescência, sob essa ótica, é um período crucial para o processo de individuação, onde o indivíduo busca integrar as diversas partes de sua psique, incluindo a Sombra – o lado obscuro e reprimido da personalidade. Comportamentos desviantes podem ser vistos como manifestações da Sombra não integrada, ou como uma tentativa inconsciente de expressar conteúdos reprimidos. A série "Adolescência" pode ser analisada sob a luz dos arquétipos, como o do "Inocente" ou do "Órfão", que podem ser distorcidos por experiências traumáticas, levando o jovem a agir de formas que não condizem com sua essência. A busca por pertencimento e aceitação, tão presente na adolescência, pode levar à projeção da Sombra em outros ou à identificação com grupos que reforçam comportamentos destrutivos, como sugerido por algumas análises da série que apontam para a influência de ideologias tóxicas [12].
Terapia Sistêmica Familiar: O Indivíduo no Contexto de Suas Relações
A terapia sistêmica familiar oferece uma perspectiva crucial para a compreensão do comportamento de Jamie na série "Adolescência", ao considerar o indivíduo não como uma entidade isolada, mas como parte integrante de um sistema familiar e social. Problemas individuais, sob essa ótica, são frequentemente reflexos de disfunções nas interações e padrões de comunicação dentro da família. A série, ao mostrar a dinâmica familiar de Jamie, permite analisar como as relações, os segredos e os traumas transgeracionais podem influenciar o desenvolvimento e o comportamento de um adolescente. A comunicação inadequada e a falta de apoio emocional dentro do ambiente familiar são fatores que podem perpetuar a ansiedade e outros transtornos mentais em jovens [13].
Psicossomática: A Linguagem do Corpo
A correlação entre psicotraumas, transtornos psíquicos/emocionais e doenças físicas é um campo de estudo cada vez mais relevante, e a terapia sistêmica familiar contribui para essa compreensão ao evidenciar como o corpo pode expressar o que a mente não consegue processar. O estresse crônico, a ansiedade e a depressão, muitas vezes enraizados em dinâmicas familiares disfuncionais ou traumas não resolvidos, podem se manifestar em sintomas físicos como dores de cabeça, problemas gastrointestinais, doenças de pele e até condições mais graves. A série "Adolescência" pode, implicitamente, sugerir essa conexão, ao retratar o sofrimento do protagonista e de sua família, que pode se somatizar de diversas formas. A constelação familiar, uma abordagem sistêmica, pode revelar causas emocionais e transgeracionais por trás de doenças físicas e psicossomáticas, permitindo que as histórias familiares sejam reescritas e promovendo a cura em múltiplos níveis [14].

Um Convite à Empatia e à Transformação
Querido leitor, ao mergulharmos nas profundezas da série "Adolescência" e nas complexidades da psique juvenil, somos convidados a um exercício de empatia e compreensão. A história de Jamie, embora ficcional, ressoa com as dores e os desafios de tantos jovens em nossa sociedade, que, por vezes, se veem perdidos em meio a traumas não elaborados, pressões sociais e a onipresença das redes digitais. Que esta análise sirva como um lembrete de que por trás de cada comportamento, há uma história, uma dor, um sistema de relações que precisa ser olhado com carinho e atenção.
A transformação é possível quando nos permitimos enxergar além do óbvio, buscando as raízes do sofrimento e oferecendo um espaço de acolhimento e cura. Que possamos, juntos, construir um futuro onde a saúde mental seja prioridade e onde cada adolescente encontre o suporte necessário para florescer.
Se você se sentiu tocado por esta reflexão, convido-o a aprofundar-se no tema lendo o artigo “Redes Sociais e a Construção da Persona Adolescente: Vínculos Afetivos e Impactos Emocionais na Era Digital”, que aborda com sensibilidade e profundidade os impactos das redes sociais na construção da identidade dos jovens. Lembre-se, a jornada é contínua, e o amor e a compreensão são as maiores ferramentas de transformação.
Um abraço, Silvia Rocha

Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, com graduação em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, crescimento pessoal e nissérie popular da Netflix, fala sobre um assassinatofortalecimento de relacionamentos, oferecendo terapias individuais, de casais, sistêmicas e familiares.
Possui formações em Psicoterapia Breve e Focal, Psicanálise, Doenças Psicossomáticas, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ e Pós-Graduação em Negócios pela FAAP/SP, Silvia também realiza Coaching Pessoal.
Contato:
Instagram e Facebook: @silviarocha.terapeuta
WhatsApp: (12) 98182-2495
Referências Bibliográficas
[1] FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. São Paulo: FBSP, 2023. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2023/08/anuario-2023-texto-09-o-aumento-da-violencia-contra-criancas-e-adolescentes-no-brasil-em-2022.pdf. Acesso em: 24 ago. 2025.
[2] UNICEF. Situação Mundial da Infância 2021. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/saude-mental-de-adolescentes. Acesso em: 24 ago. 2025.
[3] BBC NEWS BRASIL. Histórico de adolescentes infratores no Brasil inclui violência da.... 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59424863. Acesso em: 24 ago. 2025.
[4] UNICEF. Saúde mental de adolescentes. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/saude-mental-de-adolescentes. Acesso em: 24 ago. 2025.
[5] NEXO JORNAL. Qual o quadro da saúde mental de crianças e adolescentes do Brasil. 2024. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/09/23/saude-mental-no-brasil-criancas-e-adolescentes. Acesso em: 24 ago. 2025.
[6] FOLHA DE S.PAULO. Ansiedade entre crianças e jovens supera a de adultos. 2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/folhateen/2024/05/registros-de-ansiedade-entre-criancas-e-jovens-superam-os-de-adultos-pela-1a-vez.shtml. Acesso em: 24 ago. 2025.
[7] G1. 83% das crianças e adolescentes que usam internet no Brasil têm contas em redes sociais, diz pesquisa. 2024. Disponível em: https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2024/10/23/83percent-das-criancas-e-adolescentes-que-usam-internet-no-brasil-tem-contas-em-redes-sociais-diz-pesquisa.ghtml. Acesso em: 24 ago. 2025.
[8] FORBES BRASIL. Adolescência: o Perigo Invisível das Redes Sociais para os Jovens. 2025. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2025/04/adolescencia-o-perigo-invisivel-das-redes-sociais-para-os-jovens/. Acesso em: 24 ago. 2025.
[9] CNN BRASIL. Metade dos adolescentes diz que redes sociais fazem mal à saúde mental. 2025. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/saude/metade-dos-adolescentes-diz-que-redes-sociais-fazem-mal-a-saude-mental/. Acesso em: 24 ago. 2025.
[10] GUERRA, A. M. C.; SOARES, C. A. N. Violência urbana, criminalidade e tráfico de drogas: uma discussão psicanalítica acerca da adolescência. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 18, n. 2, p. 247-264, ago. 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-11682012000200006. Acesso em: 24 ago. 2025.
[11] JORNAL DA USP. Traumas de infância estão associados a mais de 30% dos transtornos psiquiátricos em adolescentes. 2025. Disponível em: https://jornal.usp.br/ciencias/traumas-de-infancia-estao-associados-a-mais-de-30-dos-transtornos-psiquiatricos-em-adolescentes/. Acesso em: 24 ago. 2025.
[12] REDDIT. Why are so many missing the point of Adolescence?. 2025. Disponível em: https://www.reddit.com/r/netflix/comments/1jeot1i/why_are_so_many_missing_the_point_of_adolescence/. Acesso em: 24 ago. 2025.
[13] SEMANTICSCHOLAR. O CICLO DE ANSIEDADE EM AMBIENTE FAMILIAR COMO FATOR DESENCADEADOR DE TRANSTORNOS MENTAIS. 2024. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/d2b2/9fe272b7ef310d52b1ab3452446d662f5baa.pdf. Acesso em: 24 ago. 2025.
[14] INSTITUTO SINTRA. Constelação e Saúde: Olhares Sistêmicos sobre Doenças Psicossomáticas. Disponível em: https://institutosintra.com.br/constelacao-e-saude-olhares-sistemicos-sobre-doencas-psicossomaticas/. Acesso em: 24 ago. 2025.





Comentários