Filmes "Divertidamente" e "Divertidamente 2": Emoções, Crescimento e Desenvolvimento
- Silvia Rocha

 - 26 de set.
 - 8 min de leitura
 
Atualizado: 21 de out.
Os filmes Divertidamente (2015) e Divertidamente 2 (2024), da Pixar, transcendem o entretenimento infantil ao oferecerem uma janela fascinante para o complexo mundo das emoções e do desenvolvimento humano. Através de narrativas engenhosas e personagens cativantes, estas obras cinematográficas nos convidam a uma reflexão profunda sobre como a mente processa experiências, constrói a identidade e navega pelas diversas fases da vida. Esta análise se propõe a explorar as ricas camadas psicológicas, psicanalíticas e neurobiológicas presentes em ambos os filmes, com um olhar empático e rigoroso, conforme o roteiro proposto.

Divertidamente (2015): A Fundação Emocional da Infância
O primeiro filme nos apresenta a Riley Andersen, uma menina de 11 anos, e suas cinco emoções primárias: Alegria, Tristeza, Medo, Raiva e Nojinho. A narrativa é um mergulho na psique infantil, explorando como a mudança de cidade de Riley desestabiliza seu equilíbrio emocional. A obra destaca a importância de cada emoção, especialmente a Tristeza, que inicialmente é marginalizada pela Alegria, mas que se revela fundamental para o processamento de perdas e o desenvolvimento da empatia. Este conceito ressoa com as ideias de Donald Winnicott sobre a importância da capacidade de estar só e de processar a dor para o amadurecimento emocional, e de Carl Jung sobre a integração das sombras para a totalidade do self.
O filme ilustra de forma brilhante como as emoções são cruciais na formação de memórias e na tomada de decisões, com memórias codificadas por cores que representam sentimentos [1]. A Tristeza, embora pareça negativa, é essencial para desenvolver empatia, resiliência e habilidades sociais [1]. O conceito de ‘ilhas de personalidade’ visualiza a construção da identidade através de experiências emocionais significativas e vínculos afetivos, um processo que Sigmund Freud descreveria como a formação do ego a partir das interações com o mundo externo e as demandas do id. A imaginação, personificada pelo personagem Bing Bong, é apresentada como uma ferramenta vital para o pensamento simbólico e a flexibilidade cognitiva, aspectos cruciais para o desenvolvimento infantil e a capacidade de lidar com desafios.

Divertidamente 2 (2024): A Complexidade da Adolescência
Divertidamente 2 avança para a adolescência de Riley, agora com 13 anos, uma fase de intensas transformações. A chegada de novas emoções – Ansiedade, Inveja, Vergonha e Tédio – reflete a complexidade crescente da psique humana nessa etapa. Estas são apresentadas como emoções secundárias, construídas culturalmente e desenvolvidas ao longo do tempo, em contraste com as emoções primárias [2]. A psicanálise de Erik Erikson sobre as fases do desenvolvimento psicossocial, especialmente a crise de identidade versus confusão de papéis na adolescência, encontra um paralelo direto na luta de Riley para formar uma nova identidade e lidar com as expectativas sociais.
O filme introduz o conceito de “sistema de valores”, um conjunto de crenças pessoais que se desenvolve com as experiências e influencia as decisões de Riley [2]. Este sistema é fundamental para a construção do self na adolescência. A capacidade do adolescente de refletir sobre suas próprias emoções e pensamentos (metacognição) é um tema central, alinhado com as teorias de Jean Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo. A Ansiedade, em particular, é retratada não apenas como um desafio, mas também como um motivador para a busca de metas, ecoando a ideia de que a ansiedade em níveis moderados pode impulsionar o crescimento e a realização, como defendido por Viktor Frankl em sua logoterapia, onde a busca por sentido pode gerar uma tensão saudável.
O filme também aborda a agência do sujeito na construção de sua autorregulação interna e autonomia [2]. A cena do ataque de pânico de Riley, causado pela Ansiedade, é uma representação poderosa e didática de como a ansiedade pode desorganizar o funcionamento mental e emocional, ressaltando a necessidade de integração e regulação emocional para evitar psicotraumas e transtornos psíquicos. Este aspecto dialoga com o trabalho de Marsha Linehan e a Terapia Comportamental Dialética (DBT), que enfatiza a regulação emocional e a tolerância ao sofrimento.
Filmes Divertidamente e as Correlações com a Realidade Contemporânea
Os filmes, especialmente Divertidamente 2, refletem a crescente prevalência de transtornos de ansiedade em adolescentes na sociedade contemporânea. Dados estatísticos atuais indicam um aumento significativo nos níveis de ansiedade e depressão entre jovens, muitas vezes impulsionados por pressões sociais, acadêmicas e a influência das redes sociais. A busca de Riley por aceitação em um novo grupo social, impulsionada pela Ansiedade e Inveja, ilustra como as interações sociais influenciam a autoimagem e o comportamento na adolescência. Este cenário é particularmente relevante em sociedades ocidentais urbanas, onde a competitividade e a exposição constante a ideais de perfeição podem exacerbar sentimentos de inadequação e ansiedade.

Estrutura Multidisciplinar: Lentes de Análise
A representação do Quartel General como um centro de controle cerebral e as memórias como estruturas físicas são metáforas que ressoam com a neurobiologia, ilustrando como o cérebro processa e armazena informações emocionais. A transição de Riley para a adolescência em Divertidamente 2 e a emergência de novas emoções podem ser correlacionadas com as mudanças hormonais e o desenvolvimento do córtex pré-frontal, que influenciam a regulação emocional e a tomada de decisões nessa fase da vida. A consultoria de neurocientistas como Dacher Keltner para ambos os filmes reforça essa base científica.
Do ponto de vista da psicologia clínica, os filmes oferecem insights sobre o desenvolvimento saudável e os desafios da saúde mental. O primeiro filme destaca a importância da aceitação da tristeza para o luto e a resiliência. O segundo filme, ao introduzir a Ansiedade de forma proeminente, aborda diretamente um dos transtornos mais comuns na adolescência. A cena do ataque de pânico de Riley é uma representação poderosa e didática de como a ansiedade pode desorganizar o funcionamento mental e emocional, ressaltando a necessidade de integração e regulação emocional para evitar psicotraumas e transtornos psíquicos. O trabalho de Bessel van der Kolk sobre o trauma e a importância da integração de experiências para a cura encontra eco na jornada de Riley.
Embora não explicitamente abordada, a espiritualidade pode ser inferida na busca de sentido e propósito que permeia a jornada de Riley, especialmente na adolescência, quando questões existenciais se tornam mais proeminentes. A capacidade de integrar todas as emoções, inclusive as mais difíceis, pode ser vista como um caminho para a totalidade e a transcendência, conceitos presentes em diversas tradições espirituais.
Sociologicamente, os filmes refletem as pressões sociais e as expectativas culturais que moldam o desenvolvimento emocional. A busca de Riley por aceitação em um novo grupo social em Divertidamente 2, impulsionada pela Ansiedade e Inveja, ilustra como as interações sociais influenciam a autoimagem e o comportamento na adolescência. A necessidade de se encaixar e a comparação com os pares são temas relevantes que afetam a saúde mental dos jovens na sociedade contemporânea.
A interação entre as emoções, tanto as originais quanto as novas, pode ser vista como um modelo para a terapia integrativa, onde diferentes aspectos da psique são trabalhados em conjunto para alcançar o equilíbrio. A colaboração entre as emoções no Quartel General de Riley, mesmo em meio a conflitos, simboliza a necessidade de uma abordagem holística para a saúde mental, onde nenhuma emoção é suprimida, mas sim compreendida e integrada.
Na Prática: 5 Sinais para Observar
Os filmes Divertidamente oferecem valiosos insights para pais, educadores e indivíduos sobre o universo emocional. Aqui estão alguns sinais para observar, inspirados nas jornadas de Riley:
Mudanças Drásticas de Humor: A adolescência é um período de flutuações emocionais intensas. Se um jovem apresenta mudanças de humor extremas e persistentes, que afetam seu funcionamento diário, pode ser um sinal de que as emoções estão em desequilíbrio e precisam de atenção.
Isolamento Social: A retirada de atividades sociais ou a dificuldade em manter amizades, como Riley experimenta em Divertidamente 2 ao tentar se encaixar em um novo grupo, pode indicar sofrimento emocional, ansiedade social ou depressão.
Perfeccionismo Excessivo e Medo de Falhar: A Ansiedade em Divertidamente 2 impulsiona Riley a buscar a perfeição e a evitar erros. Um perfeccionismo exagerado, acompanhado de medo intenso de falhar, pode ser um indicativo de ansiedade elevada e pressão interna excessiva.
Dificuldade em Expressar Emoções Negativas: Se um indivíduo tem dificuldade em expressar tristeza, raiva ou medo, ou tenta suprimi-las constantemente, como a Alegria tenta fazer com a Tristeza no primeiro filme, isso pode levar a um acúmulo de emoções não processadas e impactar a saúde mental a longo prazo.
Crises de Pânico ou Ansiedade Aguda: A representação do ataque de pânico de Riley em Divertidamente 2 é um alerta. Se um jovem ou adulto experimenta episódios de ansiedade intensa, com sintomas físicos e mentais avassaladores, é crucial buscar apoio profissional.

Acolher para Crescer: A Sabedoria das Emoções
Querido leitor, querida leitora, ao mergulharmos nas profundezas da mente de Riley através de Divertidamente e Divertidamente 2, somos lembrados de uma verdade fundamental: nossas emoções são a bússola que nos guia pela vida. Cada sentimento, seja a radiante Alegria, a profunda Tristeza, o cauteloso Medo, a intensa Raiva, o perspicaz Nojinho, ou as complexas Ansiedade, Inveja, Vergonha e Tédio, possui um propósito e um lugar em nossa trajetória.
Não há emoções boas ou ruins; todas são mensageiras, informando-nos sobre nosso mundo interno e externo. A adolescência de Riley nos mostra que crescer é um processo de integração, de aprender a acolher todas as partes de nós mesmos, mesmo aquelas que parecem desafiadoras. É na aceitação e na colaboração entre todas as nossas emoções que encontramos a verdadeira força e a capacidade de construir um “Senso de Si” autêntico e resiliente.
Que o percurso de Riley inspire você a olhar para suas próprias emoções com curiosidade e compaixão, reconhecendo que cada uma delas contribui para a tapeçaria única de quem você é.
Para seguir aprofundando no caminho do autoconhecimento e da inteligência emocional, quero te convidar a refletir sobre uma emoção muitas vezes incompreendida: a raiva. No artigo “Como Transformar a Raiva: Um Caminho para o Equilíbrio Interior e a Evolução Pessoal", publicado aqui no blog, você encontrará caminhos para acolher e ressignificar essa força interna, transformando-a em consciência e potência de mudança.
Com carinho, Silvia Rocha

Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, com graduação em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, crescimento pessoal e fortalecimento de relacionamentos, oferecendo terapias individuais, de casal, sistêmicas e familiares.
Possui cursos e formações em Psicoterapia Breve e Focal, Psicotrauma, Psicologia de Emergências e Desastres, Doenças Psicossomáticas, Psicanálise, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ e Pós-Graduação em Negócios pela FAAP/SP, Silvia também realiza Coaching Pessoal.
Contato
Instagram e Facebook: @silviarocha.terapeuta
WhatsApp: (12) 98182-2495
Referências Bibliográficas
[1] PUCRS Online. Neurociência Infantil e sua relação com o filme Divertida Mente. Disponível em: https://online.pucrs.br/blog/neurociencia-infantil-e-filme-divertidamente
[2] Instituto de Psicologia – USP. Psicologia fundamenta o filme “Divertidamente 2” nas metáforas da psique humana. Disponível em: https://www.ip.usp.br/site/noticia/psicologia-fundamenta-o-filme-divertidamente-2-nas-metaforas-da-psique-humana/



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