Filme "O Pequeno Príncipe" (2015): Um Olhar Psicológico Sobre a Criança que nos Habita
- Silvia Rocha

 - 26 de set.
 - 6 min de leitura
 
Atualizado: há 6 dias
Por: Silvia Rocha
A adaptação cinematográfica de "O Pequeno Príncipe", dirigida por Mark Osborne em 2015, ousa ir além da simples transposição da amada obra de Antoine de Saint-Exupéry para as telas. O filme nos apresenta uma narrativa dupla: de um lado, a história clássica que conhecemos, contada com a delicadeza da animação em stop-motion; de outro, a vida de uma Menina dedicada e submetida a um plano de vida rigoroso, imersa em um mundo adulto, cinzento e pragmático. É no encontro improvável entre essa Menina e seu vizinho, o excêntrico Aviador, que as duas histórias se entrelaçam, convidando-nos a uma profunda reflexão sobre infância, memória e o que realmente importa na vida. Este artigo se propõe a analisar as camadas psicológicas, sociológicas e simbólicas desta obra, explorando como a pressão do mundo moderno afeta nossa essência e como podemos resgatar a criança que ainda vive em nós.

O Essencial é Invisível aos Olhos: Dinâmicas Internas e Conflitos Emocionais
O filme retrata com maestria o fenômeno da "adultização da infância". A Menina, protagonista da narrativa moderna, vive sob a constante pressão de uma mãe bem-intencionada, mas que projeta na filha a lógica da produtividade e do sucesso a qualquer custo. Seu "plano de vida" minunciosamente detalhado não deixa espaço para o imprevisto, para o brincar ou para a imaginação. Essa dinâmica, infelizmente, é um reflexo de uma realidade cada vez mais comum. No Brasil, dados recentes são alarmantes: entre 2014 e 2024, o atendimento a crianças de 10 a 14 anos por transtornos de ansiedade no SUS cresceu quase 2.500% [1]. Uma pesquisa de 2022 com estudantes da rede estadual de São Paulo revelou que 70% deles apresentavam sintomas de ansiedade e depressão [2].
Sob a ótica de Donald Winnicott [3], psicanalista britânico, a criatividade e o brincar não são meros passatempos, mas atividades essenciais para a constituição de um "self" saudável e para a capacidade de viver plenamente. Ao suprimir a espontaneidade da filha, a mãe, sem perceber, impede seu desenvolvimento emocional, criando uma criança que sabe executar tarefas, mas que se desconectou de seus próprios desejos e de sua essência. Essa dinâmica encontra paralelo nos estudos de Gabor Maté [4] sobre trauma e desenvolvimento, que demonstram como ambientes excessivamente estruturados podem gerar padrões de desconexão emocional que se perpetuam na vida adulta.
A Fábrica de Adultos: Uma Crítica ao Mundo Contemporâneo
A representação visual do mundo da Menina — uma cidade de linhas retas, cores sóbrias e prédios idênticos — funciona como uma poderosa metáfora para a sociedade contemporânea. É um mundo que valoriza a uniformidade, a eficiência e o pragmatismo, onde "o essencial" se tornou sinônimo de "útil" e "mensurável". O filme critica uma cultura que nos transforma em meros executores de tarefas, obcecados por números e resultados, como o Empresário que busca possuir todas as estrelas para, simplesmente, poder contá-las.
Essa crítica encontra forte ressonância no contexto brasileiro, onde a pressão por desempenho no ambiente escolar e, posteriormente, no mercado de trabalho, tem gerado níveis epidêmicos de estresse e esgotamento. A história nos questiona: em que momento passamos a acreditar que um plano de vida rígido é mais valioso do que uma tarde observando as nuvens? O filme nos lembra que a busca incessante por um futuro "perfeito" pode nos custar o presente.

Resgatando a Criança Interior: Arquétipos e a Busca por Sentido
O Aviador, com suas histórias e sua casa cheia de "tralhas" maravilhosas, representa o guardião da memória e da imaginação. Ele é a ponte que permite à Menina acessar o Arquétipo da Criança, conceito desenvolvido pelo psiquiatra suíço Carl Jung [5]. Essa "criança interior" simboliza nosso potencial de crescimento, nossa espontaneidade e nossa capacidade de nos maravilhar com o mundo. Ao ouvir a história do Pequeno Príncipe, a Menina não está apenas se distraindo; ela está nutrindo uma parte fundamental de sua psique que havia sido negligenciada.
Sua jornada também pode ser compreendida pela ótica da Logoterapia de Viktor Frankl [6], que postula que a principal força motivadora do ser humano é a busca por um sentido na vida. A Menina, inicialmente, vive um "vazio existencial", cumprindo um plano que não é seu. A amizade com o Aviador e a descoberta do universo do Pequeno Príncipe a impulsionam a encontrar um propósito que transcende as notas e as aprovações: o propósito de se conectar, de amar e de redescobrir a beleza do que é "invisível aos olhos". Essa transformação também dialoga com os conceitos de Bessel van der Kolk [7] sobre como experiências relacionais positivas podem reparar traumas de desenvolvimento e reconectar o indivíduo com sua vitalidade natural.
Sinais para Observar no Filme "O Pequeno Príncipe"
O filme nos oferece um espelho para nossas próprias vidas. Aqui estão 5 sinais, inspirados na obra, que podem nos ajudar a refletir sobre nossos próprios padrões:
A tirania da produtividade: Surge a sensação de que todo o tempo precisa ser "útil", gerando culpa ao simplesmente descansar ou não realizar nenhuma atividade considerada produtiva.
A perda da capacidade de se maravilhar: Fica difícil lembrar da última vez em que algo simples, como o pôr do sol ou uma história bem contada, provocou um encantamento genuíno.
O medo do "inútil": Atividades como hobbies, expressões artísticas ou conversas sem propósito definido são frequentemente descartadas por parecerem uma perda de tempo diante de uma rotina sobrecarregada.
A dificuldade em julgar a si mesmo: Tal como na frase "é bem mais difícil julgar a si mesmo que julgar os outros", o tempo dedicado ao autoconhecimento e à autoavaliação costuma ser menor do que aquele voltado à análise do mundo externo.
A busca por validação externa: Felicidade e senso de valor pessoal acabam sendo medidos mais pelo olhar alheio do que por uma bússola interna e autêntica.

O Pequeno Príncipe e o Resgate da Criança Interior
Com ternura e profundidade, O Pequeno Príncipe nos convida a lembrar daquilo que tantas vezes foi deixado para trás: o olhar encantado, a imaginação livre, os vínculos sinceros e a beleza do que não precisa servir a nenhum propósito prático para ter valor. A Menina, pressionada a se encaixar em um mundo rígido e acelerado, representa tantos corações que aprenderam a silenciar seus próprios desejos em nome de um sucesso que não conversa com a alma.
Se a vivência da Menina despertou algo dentro do peito — uma lembrança, uma saudade, uma vontade de reencontro consigo — talvez seja tempo de escutar com mais gentileza o que ainda pulsa aí dentro. O convite é simples, mas transformador: desacelerar, respirar, e permitir que o essencial — invisível aos olhos — volte a guiar os passos.
Reconectar-se com a criança interior é um gesto de amor e coragem. É acolher partes esquecidas, permitir que a espontaneidade volte a respirar, e reconhecer que há sabedoria na leveza. Como bem lembra o artigo "Criança Interior: Um Caminho para a Cura e a Plenitude", esse reencontro não é um retorno ao passado, mas uma integração profunda entre o que se foi e o que se é. É um processo de cura que abre espaço para a autenticidade, para o sentir, e para uma vida mais inteira.
Com carinho, Silvia Rocha

Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, com graduação em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, crescimento pessoal e fortalecimento de relacionamentos, oferecendo terapias individuais, de casal, sistêmicas e familiares.
Possui cursos e formações em Psicoterapia Breve e Focal, Psicotrauma, Psicologia de Emergências e Desastres, Doenças Psicossomáticas, Psicanálise, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ e Pós-Graduação em Negócios pela FAAP/SP, Silvia também realiza Coaching Pessoal.
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Referências Bibliográficas e Cinematográficas
1 Globo G1. (2025, 30 de janeiro). Ansiedade: de 2014 a 2024, atendimento a crianças de 10 a 14 anos subiu quase 2500% no SUS. Acessado em 26 de setembro de 2025, de https://g1.globo.com/politica/noticia/2025/01/30/ansiedade-de-2014-a-2024-atendimento-a-criancas-de-10-a-14-anos-subiu-quase-2500percent-no-sus.ghtml
2 Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. (2022, 1 de abril). Em mapeamento, 70% dos estudantes avaliados relatam sintomas de depressão e ansiedade. Acessado em 26 de setembro de 2025, de https://www.educacao.sp.gov.br/em-mapeamento-70-dos-estudantes-avaliados-relatam-sintomas-de-depressao-e-ansiedade/
3 Winnicott, D. W. (1975). O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago.
4 Maté, G. (2019). No Reino dos Fantasmas Famintos: Encontros Íntimos com a Dependência. São Paulo: Planeta.
5 Jung, C. G. (2000). Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes.
6 Frankl, V. E. (1991). Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração. São Leopoldo: Sinodal.
7 Van der Kolk, B. (2020). O Corpo Guarda as Marcas: Cérebro, Mente e Corpo na Cura do Trauma. Rio de Janeiro: Sextante.
8 Osborne, M. (Diretor). (2015). O Pequeno Príncipe [Filme]. Onyx Films; Orange Studio; On Entertainment.
9 Saint-Exupéry, A. de. (1943). O Pequeno Príncipe.
10 MundoPsicologos.com. (2017, 22 de abril). A psicologia por trás de "O Pequeno Príncipe". Acessado em 26 de setembro de 2025, de https://br.mundopsicologos.com/artigos/a-psicologia-por-tras-de-o-pequeno-principe



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