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Filme "O Impossível": O Impacto Emocional de Sobreviver

Por Silvia Rocha


Em meio à vastidão da experiência humana, certos eventos se destacam por sua capacidade de testar os limites da nossa existência, revelando a fragilidade da vida e, paradoxalmente, a força inabalável do espírito humano. O filme “O Impossível” (2012), dirigido por Juan Antonio Bayona, é uma dessas narrativas que nos confronta com a crueza de uma tragédia real, o tsunami de 2004 no Oceano Índico, e nos convida a uma profunda reflexão sobre trauma, resiliência e os laços que nos unem.


Este artigo busca explorar as camadas psicológicas e emocionais que o filme desvela, sob a perspectiva da psicologia, psicanálise e outras abordagens relevantes. Acompanharemos a jornada da família Bennett (interpretada por Naomi Watts, Ewan McGregor e Tom Holland), que, em suas férias na Tailândia, é subitamente lançada em um cenário de devastação e incerteza, forçando-os a lutar pela sobrevivência e pelo reencontro.



Uma imagem que retrate a família Bennett antes do tsunami, em um momento de felicidade e tranquilidade na praia ou no resort, contrastando com a devastação que virá.
A família Bennett desfrutando de suas férias na Tailândia, um paraíso que logo seria transformado pela força implacável da natureza.

A Onda que Mudou Tudo: O Trauma Coletivo e Individual

O tsunami de 26 de dezembro de 2004 foi um dos maiores desastres naturais da história recente, ceifando mais de 250.000 vidas em oito países [1]. “O Impossível” não apenas recria visualmente a magnitude da catástrofe, mas também mergulha nas suas consequências psicológicas. A experiência traumática, como define Gabor Maté, não é apenas o que acontece conosco, mas o que acontece dentro de nós [2]. Para os sobreviventes, o evento se desdobra em uma complexa tapeçaria de sofrimento, perdas e a luta para processar o impensável.


Estudos sobre os resultados de saúde mental a longo prazo após o tsunami de 2004 registram dados alarmantes. Uma pesquisa conduzida 4,5 anos após o desastre na Índia mostrou que 77,6% das vítimas apresentavam morbidade psiquiátrica. Sintomas de ansiedade (23,1%), depressão (33,6%) e, notavelmente, Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) (70,9%) eram prevalentes, com 44,7% dos indivíduos apresentando comorbidade [1]. Fatores como a falta de educação formal, a percepção do desastre como altamente estressante, danos à casa e a perda de meios de subsistência foram preditores significativos de morbidade psiquiátrica [1].


No filme, a personagem Maria (Naomi Watts) personifica a luta contra o trauma físico e psicológico. Sua jornada de dor, separação e a busca desesperada por seus filhos ilustra a intensidade do impacto. O medo, a desesperança e a necessidade de manter a fé no reencontro são sentimentos que permeiam cada cena, ecoando as experiências reais de milhares de sobreviventes.


A Resiliência em Meio ao Caos: A Força do Espírito Humano

Mesmo diante da devastação, a narrativa de “O Impossível” é um testemunho da resiliência humana. A resiliência, do latim “resilire” (voltar a entrar saltando, saltar por cima), é a capacidade de um indivíduo ou grupo de superar situações adversas e sair delas fortalecido [3]. No filme, vemos essa capacidade manifestar-se de diversas formas:


•           A Luta de Maria e Lucas: A determinação de Maria em sobreviver e proteger seu filho Lucas (Tom Holland), mesmo gravemente ferida, é um exemplo pungente de resiliência. Lucas, por sua vez, assume um papel de cuidador e suporte emocional para a mãe, demonstrando uma maturidade precoce diante da adversidade.

•           A Busca Incansável de Henry: Henry (Ewan McGregor) representa a esperança e a persistência. Sua busca incessante pela família em meio ao caos e a desesperança é um ato de fé e amor incondicional.

•           Solidariedade e Apoio Mútuo: O filme também destaca a solidariedade entre os sobreviventes, como o apoio oferecido por estranhos e a união em momentos de desespero. Em desastres, a bondade e o auxílio mútuo são frequentemente observados, embora nem sempre de forma universal [2].


A determinação de Maria em sobreviver e proteger seu filho Lucas (Tom Holland), mesmo gravemente ferida, é um exemplo pungente de resiliência.
A determinação de Maria em sobreviver e proteger seu filho Lucas (Tom Holland), mesmo gravemente ferida, é um exemplo pungente de resiliência.

Essas manifestações de resiliência podem ser analisadas sob a ótica de Viktor Frankl, que em sua logoterapia, enfatiza a busca por sentido mesmo nas situações mais extremas. A esperança do reencontro e o amor familiar se tornam o sentido que impulsiona os personagens a seguir em frente.


Vínculos Familiares e a Terapia Sistêmica

A dinâmica familiar é um pilar central em “O Impossível”. A separação e o reencontro da família Bennett ilustram a importância dos vínculos e como eles são testados e fortalecidos em momentos de crise. A terapia sistêmica nos ensina que a família é um sistema interconectado, onde a experiência de um membro afeta todos os outros. O trauma do tsunami desestrutura esse sistema, mas a busca pelo reencontro é a tentativa de restaurar o equilíbrio e a integridade familiar.


O filme revela com sensibilidade o impacto emocional de sobreviver a uma tragédia, evidenciando como cada integrante da família lida de maneira singular com o trauma. Apesar das reações distintas, permanece constante a urgência de reconexão e o apoio mútuo como pilares de sustentação. A figura do pai, Henry, movido pela recusa em desistir da busca por seus entes queridos, e a mãe, Maria, que encontra forças no vínculo com o filho, ilustram a potência da interdependência e do amor como forças vitais diante do caos. São gestos de presença, coragem e afeto que reafirmam a capacidade humana de resistir e reconstruir, mesmo quando tudo parece perdido.


Maria Belón, Enrique Alvarez e seus filhos, sobreviventes do tsunami — Foto: Reprodução
Maria Belón, Enrique Alvarez e seus filhos, sobreviventes do tsunami — Foto: Reprodução

Fatos Reais

A família que inspirou o filme "O Impossível" é a família espanhola Belón-Álvarez, composta por María Belón, seu marido Enrique Álvarez e seus três filhos, Lucas, Tomás e Simón. Eles estavam de férias em um resort na Tailândia quando o devastador tsunami de 2004 atingiu a costa. María foi gravemente ferida e separada do marido e dos dois filhos mais novos, mas conseguiu se reunir com o filho mais velho, Lucas, e, posteriormente, com toda a família em um hospital. Após a tragédia, María passou quatro meses hospitalizada em Singapura, onde perdeu parte de sua perna, e a família abraçou a ideia de compartilhar sua história para o filme.


Atualmente, María Belón é uma palestrante motivacional, Enrique Álvarez trabalha com uma ONG de refugiados, e seus filhos seguiram carreiras distintas: Lucas tornou-se médico, Tomás atua em investimentos em tecnologia e Simón promove o uso de bicicletas globalmente, demonstrando a resiliência e o impacto duradouro da experiência em suas vidas.


Na Prática: Sinais para Observar e Reflexões

“O Impossível” é mais do que um filme sobre um desastre; é um convite à introspecção sobre nossa própria capacidade de lidar com adversidades. Aqui estão alguns sinais e reflexões que o filme pode despertar:


•           Reconheça a Fragilidade da Vida: A rapidez com que o paraíso se transforma em inferno no filme nos lembra da impermanência da vida e da importância de valorizar cada momento e as pessoas que amamos.

•           Identifique Seus Mecanismos de Coping: Observe como os personagens lidam com o estresse e o trauma. Quais são seus próprios mecanismos de enfrentamento em situações difíceis? A dissociação, o choro, a busca por ajuda são algumas das reações naturais.

•           A Importância do Apoio Social: O filme destaca a solidariedade entre estranhos. Em momentos de crise, o apoio da comunidade e dos entes queridos é fundamental para a recuperação psicológica.

•           A Força da Esperança: A esperança do reencontro é o motor que impulsiona a família Bennett. Manter a esperança, mesmo nas situações mais sombrias, é um pilar da resiliência.

•           O Trauma Não é Superado Apenas com Força de Vontade: Como Gabor Maté aponta, o trauma não é algo que se supera apenas com resiliência ou força de vontade [2]. É um processo complexo que exige tempo, apoio e, muitas vezes, intervenção profissional.


Uma Mensagem de Amor e Esperança

“O Impossível” retrata uma tragédia avassaladora, mas também revela uma poderosa mensagem de amor, esperança e a extraordinária capacidade humana de superação. A história da família Bennett, inspirada em fatos reais, relembra que, mesmo diante do inimaginável, a conexão entre pessoas e a busca por sentido podem iluminar os caminhos mais escuros. Trata-se de uma narrativa que convida à reflexão sobre a resiliência — essa força que permite “voltar a entrar saltando” [3] — e sobre a importância de encontrar apoio externo e força interior para reconstruir a vida após o trauma.


A análise de obras como “O Impossível” oferece uma oportunidade valiosa de contemplar medos, forças e vínculos que sustentam a existência. Que essa travessia cinematográfica inspire o cultivo da resiliência, a valorização das relações humanas e a abertura para o cuidado emocional. Como ensina Gabor Maté, o trauma não é apenas o que acontece, mas aquilo que se instala dentro de nós [2]; e sua superação exige tempo, acolhimento e, muitas vezes, acompanhamento profissional.


Para aprofundar a compreensão sobre os impactos psicológicos de grandes eventos e explorar estratégias de bem-estar, vale a leitura do artigo " Os Impactos dos Grandes Desastres na Saúde Mental: Uma Análise Profunda da Resiliência Humana ,disponível no blog [4]. Que os caminhos de cura e fortalecimento possam ser trilhados com consciência e afeto.


Um abraço, Silvia Rocha


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master
Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master.


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, com graduação em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, crescimento pessoal e fortalecimento de relacionamentos, oferecendo terapias individuais, de casal, sistêmicas e familiares.







Possui cursos e formações em Psicoterapia Breve e Focal, Psicotrauma, Psicologia de Emergências e Desastres, Doenças Psicossomáticas, Psicanálise, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ e Pós-Graduação em Negócios pela FAAP/SP, Silvia também realiza Coaching Pessoal.


Contato: 

Instagram e Facebook: @silviarocha.terapeuta

WhatsApp: (12) 98182-2495


Referências Bibliográficas

[1] Kar, N. (2013). Long-term mental health outcomes following the 2004 Asian tsunami disaster: A comparative study on direct and indirect exposure. Disaster Health, 2(1), 35-45. Disponível em: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC5314937/

[2] HuffPost. (2013, 10 de janeiro). The Impossible: A Psychologist’s Advice Viewing the Film About the Asian Tsunami. Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/the-impossible-movie_b_2436141

[3] Filomena Conceição Psicóloga. (2020, 28 de março). Sugestão de Filme – “O Impossível”. Disponível em: https://filomenaconceicao.com/2020/03/28/sugestao-de-filme-o-impossivel/

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