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Filme "O Advogado do Diabo": Livre-Arbítrio, Ambição e a Escolha Humana

Por: Silvia Rocha


Lançado em 1997 e dirigido por Taylor Hackford, O Advogado do Diabo é um thriller psicológico que transcende o entretenimento para se tornar um espelho inquietante da condição humana. Estrelado por Keanu Reeves como Kevin Lomax e Al Pacino como o enigmático John Milton, o filme mergulha em dilemas éticos, espirituais e psicológicos que desafiam o espectador a refletir sobre o verdadeiro significado do livre-arbítrio.

A narrativa se desenrola como uma parábola moderna, onde o sucesso profissional é o campo de batalha entre a consciência e a sedução do poder. O filme não apenas entretém — ele provoca, inquieta e convida à introspecção.


Estrelado por Keanu Reeves como Kevin Lomax e Al Pacino como o enigmático John Milton, o filme mergulha em dilemas éticos, espirituais e psicológicos que desafiam o espectador a refletir sobre o verdadeiro significado do livre-arbítrio.
Estrelado por Keanu Reeves como Kevin Lomax e Al Pacino como o enigmático John Milton, o filme mergulha em dilemas éticos, espirituais e psicológicos que desafiam o espectador a refletir sobre o verdadeiro significado do livre-arbítrio.

O que está em jogo: o livre-arbítrio como campo de batalha

O conceito de livre-arbítrio é o fio condutor da trama. Kevin Lomax (Keanu Reeves), um advogado brilhante e ambicioso, é seduzido por uma firma de advocacia em Nova York liderada por John Milton (Al Pacino) — que mais tarde revela ser o próprio Satanás. A proposta não é apenas profissional, mas existencial: até onde estamos dispostos a ir para alcançar o sucesso? E, sobretudo, quem está realmente fazendo as escolhas?


Milton não impõe ações; ele cria cenários. Essa nuance é essencial. Como bem pontua Viktor Frankl, “entre o estímulo e a resposta existe um espaço. Nesse espaço está o nosso poder de escolher a resposta. E nessa resposta reside o nosso crescimento e a nossa liberdade” [1]. A liberdade de escolha, no entanto, não é absoluta. Ela é condicionada por fatores internos e externos — desejos, medos, traumas, cultura, contexto social. O filme nos obriga a perguntar: será que escolhemos de forma livre ou somos guiados por forças invisíveis que moldam nossas decisões?


Livre-arbítrio sob a lente filosófica

Na filosofia, o livre-arbítrio é um dos temas mais debatidos. Para Immanuel Kant, a liberdade está na capacidade de agir segundo a razão, e não apenas por inclinações [2]. Já para Friedrich Nietzsche, o livre-arbítrio é uma ilusão confortável — uma invenção para justificar a culpa e a punição [3].


Jean-Paul Sartre, por outro lado, defende que o ser humano está “condenado à liberdade” — ou seja, não há desculpas: somos responsáveis por nossas escolhas, mesmo quando tentamos negá-las [4]. Essa perspectiva existencialista ecoa fortemente no arco de Kevin, que tenta justificar suas ações como fruto das circunstâncias, mas no fim é confrontado com a verdade de que ele sempre teve escolha.


Milton, como figura diabólica, representa o determinismo disfarçado de liberdade. Ele oferece opções, mas todas estão contaminadas por consequências destrutivas. O paradoxo é claro: quanto mais alternativas Kevin tem, menos livre ele parece ser.


Kevin representa o arquétipo do herói corrompido. Sua trajetória revela traços de narcisismo funcional — aquele que se alimenta da validação externa para sustentar a autoestima.
Kevin representa o arquétipo do herói corrompido. Sua trajetória revela traços de narcisismo funcional — aquele que se alimenta da validação externa para sustentar a autoestima.

Dinâmicas psicológicas: Ambição, narcisismo e dissociação

Kevin representa o arquétipo do herói corrompido. Sua trajetória revela traços de narcisismo funcional — aquele que se alimenta da validação externa para sustentar a autoestima. A ausência de limites éticos e a compulsão por vencer a qualquer custo indicam um padrão de dissociação emocional, onde o sucesso se sobrepõe à empatia e à escuta interna.

Mary Ann (Charlize Theron), sua esposa, vivencia um colapso psíquico que pode ser interpretado como um episódio de psicose reativa breve, desencadeada por um ambiente hostil e desumanizante. Sua deterioração mental é um grito silencioso contra a desconexão espiritual e afetiva que permeia o universo de Kevin. Segundo Gabor Maté, “a desconexão de si mesmo é a raiz de todo sofrimento emocional” [5]. O filme ilustra essa desconexão com precisão dolorosa.


O contexto sociológico: Nova York como metáfora do excesso

A cidade de Nova York, com seus arranha-céus e ritmo frenético, funciona como um personagem simbólico. Representa o culto ao sucesso, à aparência e à performance. Em sociedades ocidentais urbanizadas, como os Estados Unidos, o valor do indivíduo é frequentemente medido por sua produtividade — o que torna o livre-arbítrio uma ilusão condicionada por pressões externas.


A crítica à hipocrisia institucional, especialmente religiosa, é evidente. Milton ironiza os dogmas cristãos, questionando se as regras divinas são realmente libertadoras ou apenas instrumentos de controle. Essa provocação dialoga com a psicanálise freudiana, que vê a repressão como fonte de neuroses [6].


Espiritualidade e arquétipos: O Diabo como facilitador

Na perspectiva junguiana, o Diabo não é apenas o mal absoluto, mas um arquétipo que revela o lado sombrio da psique humana. Milton é o espelho da sombra de Kevin — aquele que oferece poder, mas exige a renúncia da alma.


A cena em que Milton diz: “Olhe, mas não toque; toque, mas não prove; prove, mas não engula...” é uma crítica feroz à contradição entre desejo e moralidade. Essa tensão é o cerne do livre-arbítrio: escolher entre o impulso e o princípio, entre o prazer e a ética. Carl Jung afirma que “não se torna iluminado imaginando figuras de luz, mas tornando consciente a escuridão” [7]. Kevin precisa encarar sua sombra para recuperar sua liberdade.


Personagens e suas escolhas: um mergulho mais profundo

  • Kevin Lomax (Keanu Reeves): Sua jornada é marcada pela negação da responsabilidade. Ele acredita estar apenas seguindo oportunidades, mas ignora os sinais de alerta. Sua escolha final — o suicídio simbólico ao rejeitar o pacto — é um ato de redenção e afirmação do livre-arbítrio.

  • John Milton (Al Pacino): Como arquétipo do tentador, ele não força nada. Apenas oferece. Sua genialidade está em manipular desejos humanos, tornando a escolha uma armadilha. Ele representa o determinismo psicológico — a ideia de que somos previsíveis quando expostos a estímulos certos.

  • Mary Ann (Charlize Theron): É a personagem mais sensível e intuitiva. Sua deterioração revela o impacto das escolhas de Kevin sobre os vínculos afetivos. Ela representa a alma ferida que clama por autenticidade.

  • Alice Lomax (Judith Ivey): É a voz da consciência espiritual. Sua resistência à mudança e sua fé são contrapontos à ambição do filho. Ela simboliza a sabedoria ancestral que alerta, mas não impede.


Mary Ann (Charlize Theron) é a personagem mais sensível e intuitiva. Sua deterioração revela o impacto das escolhas de Kevin sobre os vínculos afetivos. Ela representa a alma ferida que clama por autenticidade.
Mary Ann (Charlize Theron) é a personagem mais sensível e intuitiva. Sua deterioração revela o impacto das escolhas de Kevin sobre os vínculos afetivos. Ela representa a alma ferida que clama por autenticidade.

Sinais para observar no filme:

  • Frases que revelam manipulação emocional: “Você nunca perdeu um caso, Kevin. Isso é talento ou escolha?”

  • Comportamentos de dissociação e negação da realidade: Kevin ignora os sinais de sofrimento da esposa.

  • Ambição desmedida como padrão de validação pessoal.

  • Presença de arquétipos espirituais: o Diabo como sombra, Mary Ann como alma ferida.

  • Dilemas éticos que desafiam a integridade: defesa de clientes culpados sem remorso.


Na prática: Reflexões que o filme "O Advogado do Diabo" pode despertar

  1. Você está fazendo escolhas ou apenas reagindo às circunstâncias?

  2. O sucesso que você busca está alinhado com seus valores?

  3. Quais sinais de desconexão emocional você tem ignorado?

  4. Existe alguém em sua vida que representa sua “sombra”?

  5. Como você lida com a culpa e a responsabilidade pelas suas decisões?


A liberdade de escolher é também a coragem de renunciar — ao aplauso fácil, à rota segura, àquilo que não nos representa.
A liberdade de escolher é também a coragem de renunciar — ao aplauso fácil, à rota segura, àquilo que não nos representa.

A liberdade de escolher é também a coragem de renunciar

Querida leitora, querido leitor, ao assistir O Advogado do Diabo, somos provocados a refletir sobre o verdadeiro significado de escolher. O livre-arbítrio não se resume à liberdade de decidir entre alternativas — ele exige coragem para assumir as consequências, para renunciar ao que não escolhemos, e para sustentar a responsabilidade que vem com cada decisão.


Carl Jung nos lembra que “até você tornar o inconsciente consciente, ele dirigirá sua vida e você o chamará de destino”. Escolher, portanto, é também um processo de tornar-se consciente: de si, dos próprios valores, das sombras que nos habitam. Já Sartre nos alerta que “não escolher já é uma escolha” — e essa omissão, muitas vezes, é guiada pelo medo, pela pressão externa ou pela ilusão de que podemos escapar da responsabilidade.


Vivemos em uma cultura que valoriza o desempenho acima da essência, onde o sucesso é medido por métricas externas e não pela coerência interna. Nesse cenário, manter-se fiel à própria consciência é um ato de resistência. A liberdade de escolher é também a coragem de renunciar — ao aplauso fácil, à rota segura, àquilo que não nos representa.


A escuta interna, o cuidado com os vínculos e o apoio de espaços seguros de reflexão são caminhos para resgatar o poder pessoal e a integridade emocional. Escolher com consciência é um gesto de liberdade profunda — e também de amor próprio.


Se deseja explorar mais profundamente essa questão, o artigo O Dilema da Escolha: Somos Realmente Livres?” está disponível no link e pode trazer novas perspectivas.


Com carinho, Silvia Rocha


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master
Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master


Silvia Rocha é psicóloga (CRP 06/182727), terapeuta integrativa e hipnoterapeuta master, graduada em Psicologia em 2005. Fundadora do Espaço Vida Integral, atua com foco no bem-estar emocional, crescimento pessoal e fortalecimento de vínculos, oferecendo terapias individuais, de casal, sistêmicas e familiares.

 






Possui formações em Psicoterapia Breve e Focal, Psicotrauma, Psicologia de Emergências e Desastres, Doenças Psicossomáticas, Psicanálise, Coaching, Psicologia Transpessoal, Terapias Quânticas/Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar e Apometria Clínica Avançada. Com mais de 30 anos de experiência na área corporativa, MBA pela FGV/RJ e Pós-Graduação pela FAAP/SP.

 

Contato

Instagram e Facebook: silviarocha.terapeuta

WhatsApp: (12) 98182-2495


Referências Bibliográficas

[1] FRANKL, Viktor. Em busca de sentido. São Paulo: Vozes, 2008.

[2] KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

[3] NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

[4] SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. Lisboa: Edições 70, 2007.

[5] MATÉ, Gabor. O mito do normal: trauma, doença e cura numa cultura tóxica. São Paulo: Sextante, 2022.

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