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Transtorno de Personalidade Borderline: Entre o Trauma e a Busca por Si Mesmo

Por: Silvia Rocha

 

"A mente é como um iceberg, flutua com um sétimo de seu volume acima da água." — Sigmund Freud [1]

 

O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é uma condição complexa e frequentemente mal compreendida, caracterizada por um padrão generalizado de instabilidade nas relações interpessoais, autoimagem, afetos e impulsividade acentuada. Longe de ser uma mera coleção de sintomas, o TPB revela um profundo sofrimento psíquico, muitas vezes enraizado em experiências de psicotrauma precoce e dinâmicas familiares disfuncionais. Este artigo busca desvendar as intrincadas correlações entre esses fatores, oferecendo uma análise clínica e psicodinâmica que integra perspectivas da teoria do apego, neurociência afetiva e trauma relacional, com o objetivo de promover uma compreensão mais empática e cientificamente embasada. 


"A mente é como um iceberg, flutua com um sétimo de seu volume acima da água." — Sigmund Freud
"A mente é como um iceberg, flutua com um sétimo de seu volume acima da água." — Sigmund Freud

Feridas Invisíveis: O Impacto do Trauma Precoce

O psicotrauma, especialmente aquele vivenciado na infância, emerge como um fator central na etiologia do TPB. Experiências como abuso, negligência, abandono ou perdas significativas podem fragmentar o desenvolvimento do self e a capacidade de regulação emocional. Bessel van der Kolk [2], em sua vasta obra sobre o trauma, destaca como essas experiências podem alterar a arquitetura cerebral, impactando áreas responsáveis pelo processamento emocional, memória e auto-percepção. A persistência de um estado de alerta constante e a dificuldade em processar memórias traumáticas contribuem para a instabilidade emocional e a dissociação frequentemente observadas no TPB.

 

Vínculos Desfeitos: A Teoria do Apego e o TPB

A teoria do apego, desenvolvida por John Bowlby [3], oferece uma lente poderosa para compreender a formação dos padrões relacionais no TPB. Crianças que crescem em ambientes onde os cuidadores são inconsistentes, intrusivos ou negligentes podem desenvolver estilos de apego inseguros – ansioso-preocupado, desorganizado ou evitativo. Esses padrões internalizados moldam as expectativas sobre os relacionamentos futuros, levando a um medo intenso de abandono, alternância entre idealização e desvalorização do outro, e uma busca incessante por proximidade que paradoxalmente afasta. A dificuldade em formar e manter vínculos estáveis é uma marca registrada do TPB, refletindo a reprodução de dinâmicas relacionais precoces e traumáticas.

 

O Labirinto Emocional: Neurobiologia e Manifestações Clínicas

A neurociência afetiva tem revelado importantes insights sobre as bases biológicas da instabilidade emocional no Transtorno de Personalidade Borderline (TPB). Estudos indicam disfunções em circuitos cerebrais envolvidos na regulação das emoções, como a amígdala (hiperatividade) e o córtex pré-frontal (hipoatividade), especialmente nas regiões dorsolateral e ventromedial, responsáveis pelo controle executivo e pela integração emocional [10]. Essa desregulação contribui para a intensidade e a labilidade afetiva, onde pequenas frustrações podem desencadear reações emocionais desproporcionais, como raiva intensa, tristeza profunda ou ansiedade avassaladora.

A impulsividade, outro traço central do TPB, está relacionada a alterações nas vias de recompensa e controle inibitório, envolvendo estruturas como o estriado ventral e o córtex orbitofrontal. Essas áreas apresentam menor ativação durante tarefas que exigem tomada de decisão e inibição de respostas impulsivas [11].

Estudos de neuroimagem funcional mostram que indivíduos com TPB apresentam hiperatividade da amígdala em resposta a estímulos emocionais negativos, enquanto o córtex pré-frontal medial demonstra ativação reduzida, sugerindo falhas na modulação emocional [12]. Essa configuração cerebral favorece reações intensas e rápidas, com pouca capacidade de regulação cognitiva.

Do ponto de vista epidemiológico, estima-se que o TPB afete cerca de 1,4% da população adulta nos Estados Unidos, sendo que 75% dos casos ocorrem em mulheres [13]. Além disso, o transtorno representa aproximadamente 20% dos pacientes psiquiátricos internados, evidenciando sua gravidade clínica e impacto nos sistemas de saúde [13].

No campo neuropsicológico, indivíduos com TPB demonstram déficits significativos em funções executivas, como memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, planejamento e inibição de respostas. Essas limitações comprometem a capacidade de lidar com situações estressantes e tomar decisões ponderadas, contribuindo para comportamentos impulsivos e instabilidade relacional [14].

A etiologia do TPB é multifatorial, envolvendo interações entre predisposições genéticas, alterações epigenéticas e experiências traumáticas precoces. Estudos indicam que uma porcentagem significativa dos indivíduos com TPB sofreu abuso ou negligência na infância, o que pode influenciar o desenvolvimento de circuitos cerebrais relacionados à regulação emocional [15].

Esses achados reforçam a importância de abordagens terapêuticas que considerem não apenas os aspectos comportamentais, mas também os mecanismos neurobiológicos subjacentes. Intervenções como a Terapia Comportamental Dialética (DBT) têm se mostrado eficazes ao promover estratégias de regulação emocional e controle da impulsividade, atuando diretamente sobre os circuitos cerebrais disfuncionais [16].

 

Sinais para Observar: Manifestações do TPB

O TPB se manifesta através de uma constelação de sintomas que afetam diversas áreas da vida do indivíduo. É crucial reconhecer esses sinais para uma compreensão e intervenção adequadas. Alguns dos mais comuns incluem: 

•        Frases como “Ninguém me entende” ou “Não consigo confiar em ninguém”: Expressam um sentimento profundo de isolamento e desconfiança, muitas vezes decorrente de experiências de traição ou abandono.

•        Alternância entre idealização e rejeição de figuras próximas: Um padrão de relacionamento instável, onde o outro é visto como totalmente bom ou totalmente mau, sem nuances.

•       Comportamentos impulsivos ou autodestrutivos após frustrações emocionais: Incluem automutilação, abuso de substâncias, gastos excessivos, sexo de risco ou compulsão alimentar, como tentativas desesperadas de aliviar a dor emocional.

•        Dificuldade em manter vínculos estáveis e constantes rupturas relacionais: A instabilidade nos relacionamentos é uma característica central, com ciclos de intensa proximidade e afastamento abrupto.

•        Reações intensas a rejeições sutis ou separações simbólicas: Uma hipersensibilidade a qualquer indício de abandono, real ou percebido, que pode desencadear crises emocionais severas.


    A vida de Jackson Pollock foi marcada por uma instabilidade afetiva profunda, impulsividade, alcoolismo e conflitos familiares intensos, traços que ressoam com as características do Transtorno de Personalidade Borderline.
A vida de Jackson Pollock foi marcada por uma instabilidade afetiva profunda, impulsividade, alcoolismo e conflitos familiares intensos, traços que ressoam com as características do Transtorno de Personalidade Borderline.

Estudo de Caso: Jackson Pollock - A Vida em Cores Vivas e Sombras Profundas

O filme “Pollock – A Vida de um Artista” (2000), dirigido por Ed Harris, oferece um estudo de caso vívido e comovente sobre a trajetória de Jackson Pollock, um dos maiores pintores do século XX. A narrativa cinematográfica explora a vida de Pollock, marcada por uma instabilidade afetiva profunda, impulsividade, alcoolismo e conflitos familiares intensos, traços que ressoam com as características do Transtorno de Personalidade Borderline. [5]

Pollock, desde a infância, foi exposto a dinâmicas familiares complexas e a um ambiente emocionalmente volátil. A ausência de um apego seguro e a presença de traumas precoces podem ter contribuído para a formação de uma personalidade com dificuldades significativas na regulação emocional e na construção de uma identidade coesa. Sua arte, embora genial, era frequentemente um reflexo de sua turbulência interna, com explosões de criatividade e autodestruição coexistindo. A análise de sua vida através da lente do TPB permite compreender como traumas e vínculos disfuncionais podem influenciar a expressão emocional, a impulsividade e a busca por uma identidade, mesmo em indivíduos de grande talento.

    Ao atravessar as paisagens emocionais do TPB, descobrimos que por trás da instabilidade e do sofrimento há uma alma em busca de sentido, pertencimento e afeto.
Ao atravessar as paisagens emocionais do TPB, descobrimos que por trás da instabilidade e do sofrimento há uma alma em busca de sentido, pertencimento e afeto.

A Alma por Trás do Transtorno de Personalidade Borderline

Querido leitor, querida leitora,

Ao atravessar as paisagens emocionais do TPB, descobrimos que por trás da instabilidade e do sofrimento há uma alma em busca de sentido, pertencimento e afeto. Cada oscilação emocional carrega o peso de histórias não ditas, de vínculos feridos e de traumas que ecoam silenciosamente na memória. Compreender esses ecos não é apenas um exercício intelectual — é um gesto de humanidade. É abrir espaço para a escuta sensível, para o acolhimento genuíno e para a coragem de enxergar além dos sintomas.

A jornada de cura, embora sinuosa, é possível. Ela se constrói na delicadeza do vínculo terapêutico, na força de ressignificar o passado e na esperança que floresce quando alguém se dispõe a caminhar ao lado. Que este artigo seja uma lanterna acesa na escuridão — iluminando caminhos de transformação, oferecendo abrigo para quem vive ou convive com o TPB, e lembrando que há beleza na reconstrução e potência na escuta.

Para quem deseja explorar com mais profundidade a complexidade emocional e criativa de Jackson Pollock, vale a pena assistir ao filme Pollock (2000). A obra, dirigida e protagonizada por Ed Harris, retrata com intensidade e sensibilidade os conflitos internos do artista, revelando a força e a fragilidade por trás de sua genialidade.


Como complemento a essa experiência, faço um convite à leitura do artigo Jackson Pollock: A Psique em Movimento, publicado no blog do Espaço Vida Integral. Nele, você encontrará uma abordagem profunda e empática sobre sua trajetória, suas batalhas internas e o impacto de sua arte — um verdadeiro espelho para refletirmos sobre dor, identidade e expressão.

Com carinho, Silvia Rocha


Silvia Rocha é Psicóloga (CRP 06/182727), Terapeuta Integrativa e Hipnoterapeuta Master.
Silvia Rocha é Psicóloga (CRP 06/182727), Terapeuta Integrativa e Hipnoterapeuta Master.

Silvia Rocha é Psicóloga (CRP 06/182727), Terapeuta Integrativa e Hipnoterapeuta Master. Formada em Psicologia em 2005, Silvia reúne uma ampla gama de especializações que refletem sua busca incansável por conhecimento e transformação: Hipnose Clínica, Psicoterapia Breve e Focal, Psicotrauma, Psicologia do Idoso, Psicologia do Luto, Doenças Psicossomáticas, Psicanálise, Psicologia Transpessoal, Escrita Terapêutica, Terapias Quânticas e Holísticas, Constelação Sistêmica Familiar, Apometria Clínica, Coaching.

 


Sua experiência de mais de 30 anos na área corporativa, somada ao MBA em Gestão Empresarial pela FGV/RJ e à Pós-Graduação em Negócios pela FAAP/SP, fortalece sua atuação como Coach Pessoal, integrando saberes da psicologia e da gestão para apoiar pessoas em seus processos de mudança, propósito e realização. Além disso, é escritora no Blog do Espaço Vida Integral, onde compartilha artigos, reflexões e conteúdos educativos voltados ao autoconhecimento, à espiritualidade e às práticas terapêuticas.

 

Contato

Instagram e Facebook: silviarocha.terapeuta

WhatsApp: (12) 98182-2495

 

Referências

[1] Freud, S. (Data da publicação original da citação). A Interpretação dos Sonhos. (Nota: A citação é uma paráfrase popular atribuída a Freud, não uma citação direta de uma obra específica. A referência é simbólica).

[2] Van der Kolk, B. A. (2014).The Body Keeps the Score: Brain, Mind, and Body in the Healing of Trauma. Viking.

[3] Bowlby, J. (1969).Attachment and Loss, Vol. 1: Attachment. Attachment and Loss. New York: Basic Books.

[4] Leichsenring, F., & Leibing, E. (2003). The effectiveness of psychodynamic therapy and cognitive behavior therapy in the treatment of personality disorders: a meta-analysis.American Journal of Psychiatry, 160(7), 1223-1232. (Nota: Esta referência é genérica sobre neurobiologia e TPB, não específica para hiperatividade da amígdala, que é um achado comum em estudos de neuroimagem no TPB).

[5] Harris, E. (Diretor). (2000).Pollock – A Vida de um Artista[Filme]. Sony Pictures Classics.

[6] Linehan, M. M. (1993).Cognitive-Behavioral Treatment of Borderline Personality Disorder. Guilford Press.

[7] Kernberg, O. F. (1984).Severe Personality Disorders: Psychotherapeutic Strategies. Yale University Press.

[8] POLLOCK. Direção: Ed Harris. Produção: Fred Berner, Ed Harris. Estados Unidos: Columbia Pictures.

9] Herman, J. L. (1992).Trauma and Recovery: The Aftermath of Violence—From Domestic Abuse to Political Terror. Basic Books.

[10] Cognitiva Centro de Terapia. Alterações neurobiológicas do Transtorno de Personalidade Borderline.

[11] Revista Esfera Saúde. Características Neuropsicológicas do Transtorno de Personalidade Borderline.

[12] Honorio et al. Teorias Etiológicas do Transtorno de Personalidade Borderline. RSD Journal.

[13] NAMI (National Alliance on Mental Illness), 2017; APA (DSM-V), 2014.

[14] Multivix. Revista Esfera Saúde, v.6 n.2, 2022.

[15] Honorio et al., RSD Journal, 2021.

[16] Linehan, M. M. (1993). Cognitive-Behavioral Treatment of Borderline Personality Disorder.

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